PALCOS

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Fotografias: Alípio Padilha.

Uma mão alisa. Plaina a terra. Na subtileza e na certeza de todo o tempo do mundo haver para polir. Gesto apaziguador. Aparentemente. Imediatamente após, a mesma mão escava um buraco. Corta os pés de um ramo de salsa e espeta-o na terra. É um arbusto. Outro gesto apaziguador. Outra aparência encantadoramente bela. Por fim, a mesma mão arrasta a miniatura de um carro antigo e o entardecer imaginário que apetece.

Uma outra mão, que poderia ser perfeitamente a mesma, a mão, sempre a mão, aponta para uma caixa preta. Uma caixa não muito grande, mas a transbordar. Centenas de cartas ao longo de um ano escritas por um casal de namorados. Com as pontas dos dedos retira uma delas do envelope e começa a desvelar as técnicas de escrita e os códigos entre ambos. Com o cuidado com que se abre a porta do passado, dobra as pontas e encerra-as no envelope.

Gestos simples. Não serão todos? Desligar uma chamada, empurrar, levantar o dedo em tom inquisidor. O quotidiano está prenhe. Mas, serão os que mais incomodam? Como reagir a um afago no cabelo depois de uma discussão mais apaixonada? É um convite à desistência? Deixa lá, esquece, não vale a pena. E a um sorriso de conveniência? Responder com o médio em riste?

Aquele alisar da terra no final. Aquele gesto arrasadoramente horizontal. Esquecer. Colocar no lugar longínquo da memória uma guerra que devastou milhões de pessoas, durou 4 anos, desmembrou famílias e sobretudo privou da mais básica condição humana milhares de seres. Mijar, comer, dormir – tudo é sobrevivência. A casa são as trincheiras, as trincheiras são buraco para escrever, para curar as feridas, as físicas e as da alma, para amputar, perna e tempo se tal fosse possível. É o inferno. Todos que, no Teatro Maria Matos, assistiram ao espectáculo de abertura do FIMFA’15, The Great War pela companhia Hotel Modern, cheiraram de perto o gás mostarda, viram os corpos dilacerados, ainda hoje sabemos que não são miniaturas, contorcemos os ouvidos dos zumbidos incessantes; o silêncio, porém, não foi mais tranquilizador. Como podemos esquecer? Há 100 anos, pouco mais que uma vida. Duas guerras em menos de 40 anos. Não é para o olvido. Não nos humilhemos.

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Pela companhia Oligor y Microscopía, já noutras latitudes, numa cidadezita do norte do México, um casal tenta fugir à violência do não encontro. Uma mãe tirana impede uma paixão de se materializar. As cartas como sinónimo de resistência. A metodologia no envio, os códigos, o empilhamento meticuloso, o desfiar de tardes, horas a olhar para o relógio. O gesto da espera. Dói, mói. O silêncio que nunca deveria ter sido. Se ao menos tocasse a campainha. Esta história teria de ser contada, mesmo sem um final determinado, ou antes, com o melhor deles todos – o final imaginado. La Máquina de la Soledad e os seus contos ao ouvido e as emergências da alma.

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Não poderia ter começado melhor a primeira semana. Resta preparar o que ainda falta. Folhear e seleccionar no programa: o que se deixou escapar – Sans Titre de Xavier le Roy e Whispers de Cie Mossoux-Bonté, verificar que ainda a tempo para o Avarento da Compañia Pelmànec, Bastard de DudaPaiva Company, os Bonecos de Santo Aleixo com o Auto da Criação do Mundo e para Tomorrow We Disappear, o documentário de Jimmy Goldblum sobre o desaparecimento de um espaço e respectivo significado – o fim ou a possibilidade de um novo começo.

Teatro é inquietação. É acto libertador e de resistência. São 15 edições. 15 edições num país moribundo, permanentemente resgatado e definitivamente asfixiado. 15 anos. E que viva o FIMFA, porra!

FIMFA 15 – 07 a 24 de Maio

Teatro D. Maria II, Teatro Maria Matos, Teatro São Luíz, Teatro Taborda, Museu das Marionetas

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