MÚSICA

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Fotografias: José Frade.

Para todos aqueles que foram ao Teatro Maria Matos na passada Terça-Feira, podia muito bem ter sido uma noite de chuva e frio passada no quentinho do lar. Ver a chuva cair pelos vidros da janela ou ouvir um disco com um “fingerpicking” porreiro. Um Basho ou um Fahey. Ou quem sabe um Ribot ou um Rose (na Europa também há o Jansch)!

Este foi o concerto perfeito para quem não quis ficar em casa. Sala esgotada para ver dois homens, quatro guitarras, uma garrafa de vinho (alentejano, espero) e uma ilustradora que se manteve fora das luzes da ribalta mas iluminou o espectáculo com muita sabedoria. Tó Trips (Lulu Blind/Dead Combo) e Rui Carvalho (If Lucy Fell/Filho da Mãe) encarregaram-se de nos dar os acordes ou simplesmente as notas soltas e de dar também o mote às ilustrações de Cláudia Guerreiro (também Linda Martini), feitas em tempo real e projectadas na tela.

A ideia surgiu após terem sido os primeiros a protagonizar o Guitarras ao Alto, projecto sediado no Alentejo e também exclusivo das planícies e planaltos daquela zona do país. Na sequência da parceria entre Tó Trips e Filho da Mãe por terras alentejanas, concebeu-se este espectáculo que, cheirou a terra molhada e em que os tons das tintas usadas por Cláudia Guerreiro estiveram a condizer na perfeição.

O concerto começou instrospectivo e com uma certa angústia, súbtil no entanto. Quer Tó Trips quer o Filho da Mãe têm um passado que se relaciona com o poderio rock e a energia das guitarras electrizantes. Apesar de muito ter acontecido às carreiras de ambos nos últimos anos, é sempre bom   tentar entender o quão intrigantes podem ser as referências musicais que depositam nas respectivas canções. Imaginem em dupla!

Trips e Filho da mãe começaram coordenadíssimos. Cláudia Guerreiro inicia as suas pinceladas, a que eu atribuo a secção rítmica. É a vantagem de ter uma baixista calejada e desenhar para construções musicais, quase nunca lineares, nem circulares e diria até de cariz experimental. A visão de um dia de chuva, nos confins da província alentejana, cruzou-me a memória e o bucólico ganhou expressão. Como ninguém fazia ideia do que estava a ser desenhado, parece que a atenção se dirigiu inevitavelmente para a tela, onde o público deve ter projectado mil finais para o desenho que, quando terminado, se revelou um pavão em tons de azul. Existe aquele cliché do artista eternamente insatisfeito com a sua obra, mas Cláudia não deve ter requisitos para se incluir nele. É óbvio que se vai esborratar o pavão, derramar água que parece chuva sobre ele e dar lugar a outra visão que vai ao lado e nunca atrás dos dedilhados dos dois guitarristas.

Conjugação quase perfeita não fossem alguns momentos um pouco mais confusos do ponto de vista formal da canção. Houve lugar para o experimentalismo e para um cheirinho de música ambiente e a soltura de Tó Trips acabou por ser sinónimo da soltura de Filho da Mãe. Ambos são espasmódicos enquanto guitarristas e é nessas alturas que a música ganha relevo, torna-se mais consistente e abre o leque de sonoridades que nela se inscrevem. Exemplo disso foi o recurso a algumas particularidades próximas dos trópicos, coniventes com o tom amarelo tímido da tela a contrastar com o domínio dos azuis. África também esteve contemplada e até a ilustração nos levou para os territórios do étnico, em desenhos que, tal como os totens, transpiraram simbolismo.

Por momentos pensei que o concerto nos dirigisse aos tons quentes do vermelho, mas não se chegou lá. Talvez para uma segunda edição no verão.

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