Fotografias: Mariana Martins de Oliveira.
Pode não ser a descoberta do ano, afinal não são sete planetas semelhantes à Terra, mas o trabalho homónimo do projecto de Pedro Oliveira e Pedro Chau (Ghost Hunt) editado pela Lux Records em finais de 2016, constituiu, sem sombra de dúvida, um dos pontos mais brilhantes da produção discográfica nacional. Oportunidade mais do que justificada para os entrevistarmos e deixarmos um aviso sideral – é bom não os perder já este fim de semana no Lisboa Dance Festival.
Desenhando uma linha do tempo no universo de Ghost Hunt e aproveitando o lançamento do vosso primeiro álbum em que ponto situariam este momento?
Este trabalho regista o momento em que estávamos e o momento em que o gravámos, isto porque foi gravado em 2 dias, basicamente num registo como se fosse ao vivo, pelo que não é um álbum pensado ao longo de meses. Retrata exactamente o momento em que nos encontrávamos, mas já evoluímos mais um bocado. É um ponto. A partir daí continuámos a trabalhar e a trabalhar as mesmas músicas inclusive.
Para tentar compreender um pouco esse ponto. O mesmo corresponde a uma procura de novas sonoridades ou tornar ainda mais compacto os temas que já tinham?
O nosso caminho foi no sentido de tornar os temas mais compactos. Eles eram um bocado mais abstractos no início, começámos a escrever os temas mais como uma estrutura de canção, mais próximos da pop. Como tal não se trata de procurar novas sonoridades, mas mais ir à procura da nossa sonoridade.
O facto de só terem estado 2 dias em estúdio pressupõe que os temas já estavam minimamente pensados?
Sim, os temas já estavam pensados e foi exactamente isso – chegar e gravar. Não há um grande conceito por trás do álbum. O álbum é um registo. Não gravámos num estúdio profissional, foi feito praticamente em casa de uns amigos, em Coimbra, que se disponibilizaram para gravar e que tinham condições para o fazer. Corresponde também a uma vontade nossa em registar as músicas que já tínhamos tocado ao vivo.
Como foi o processo de estruturação do álbum?
Foi mais uma questão de sensibilidade musical. Não houve uma tentativa de contar nenhuma história, definitivamente não é um álbum conceptual. A sequência que escolhemos foi aquela que aos nossos ouvidos fez mais sentido.
Nós não temos vindo a desenvolver um trabalho muito expansivo, ambiente mais ligado ao kraut se quiseres. A nossa intenção foi fazer músicas mais pequenas, mais parecidas com temas convencionais. Muita da inspiração vem do kraut sem dúvida, aliás foi um género que nos uniu, mas o nosso trabalho não tem tanto a ver com isso. Muitas das coisas que fazemos é pop, é indie, é uma estrutura mais convencional. Não vamos muito para o campo experimental. Ou seja, o nosso carácter mais experimental vem da vontade de fazer qualquer coisa que seja nossa e não tanto estar 15 ou 20 minutos em registo drone.
Qual a vossa relação com a editora e qual a razão de não terem optado por uma edição de autor?
Se não fizemos uma edição de autor é porque muito provavelmente somos uns grandes preguiçosos (risos). Escolhemos a Lux Records porque o Rui Ferreira foi uma das primeiras pessoas que nos abordou e também porque faz parte da história, da nossa história em Coimbra, muito antes de haver os Ghost Hunt. A proposta dele fez todo o sentido, além de ter sido uma altura que queríamos mesmo lançar o disco. Nesse sentido, ele foi uma ajuda muito preciosa.
Quem vos ajudou em todo o processo de masterização?
O João Rui e o João Silva, elementos do A Jigsaw, também de Coimbra. O som deles nem tem muito a ver com o nosso, mas gostam do que fazemos. Emprestaram-nos o estúdio e foram eles que masterizaram o disco. Mas, todo o processo foi feito a meias, sendo que por exemplo a mistura foi feita online, uma vez que o estúdio esteve em obras durante muito tempo e eles também andaram em tour. Nós dávamos algumas indicações, mas o processo foi algo complicado, até porque a maioria das bandas faz isto em estúdio.
E na elaboração da capa e todo o design gráfico?
A capa também foi feita por nós, com ajuda de uma pessoa, o vídeo também foi feito por nós. Esta atitude mais Do It Yourself já faz parte da nossa maneira de estar enquanto músicos. Temos limitações financeiras, logo temos de encontrar as soluções para ultrapassar esses obstáculos. A imagem da capa vem do universo que nos agrada bastante - o espaço. Há muitas imagens que a NASA disponibiliza e nós aproveitámos uma fotografia da ida do homem à lua. A criação dos temas girou sempre muito à volta deste imaginário, da ficção científica
Desde o início a sonoridade dos Ghost Hunt sempre foi muito bem acolhida.
Sinceramente, num percurso de mais ou menos dois anos, nós não esperávamos estar no ponto onde nos encontramos. Claro que ficamos contentes pelo facto das pessoas terem aderido ao nosso som, mas sinceramente não sabemos como explicar, quais foram as razões para tal.
São também uma banda essencialmente vocacionada para tocar ao vivo.
Tocar ao vivo é essencial para nós, é uma forma de ganhar experiência. Temos trabalhado muito para que ao vivo as coisas resultem. Tocar foi sempre o centro do nosso trabalho e terá, muito provavelmente, a ver com o interesse que as pessoas têm demonstrado.
Mesmo sendo uma banda que se pode colocar na "gaveta" da electrónica o nosso interesse foi sempre tocar o mais possível. Nós gostamos de ir a todo o lado (risos). Andamos a tocar em concertos com bandas de rock, tocámos em festivais que se calhar não têm tanto a ver connosco, por exemplo o Reverence, no Black Bass – Évora Psychedelic Fest, no warm-up do Lisbon Psych Fest, mas houve uma grande vontade por parte dos promotores para nos incluírem no line-up. Mas, vamos tocar no Lisbon Dance Festival que é claramente dedicado a sonoridades mais electrónicas.
Inevitável falar da vossa relação com o documentário realizado pelo Eduardo Morais, o Tecla Tónica.
Fizemos, salvo erro, 14 concertos na tour que se montou em volta do Tecla Tónica. Foi uma possibilidade de ir a locais que seria muito mais difícil imaginar poder tocar ali, sobretudo em cidades do interior. O Eduardo convidou-nos, pensou que fazia sentido sermos nós a acompanhar, com um concerto, as diferentes sessões de visionamento do Tecla Tónica. Inicialmente só estávamos à espera de tocar aquando da estreia do documentário no Indie Lisboa, na Culturgest, e só depois é que houve a ideia de seguir com as restantes datas. Não gostaríamos de estar a falar em nome do Edu, mas sabemos que ele valoriza bastante o nosso projecto, aliás foi ele que organizou o nosso primeiro concerto no Sabotage (Lisboa). Ele vê que nós trabalhamos a electrónica de uma forma diferente, ou seja fazendo uso de máquinas, mas sem cair na obsessão de as utilizar querendo reproduzir os sons de décadas passadas.
Mas tocar estando associado à projecção de um documentário, é naturalmente diferente?
Claro, antes demais pelo facto de podermos tocar em alguns anfiteatros, com as pessoas sentadas que não é muito habitual. Foi muito importante, porque nos deu a oportunidade de aprender, de corrigir, de melhorar.
Uma das características dos Ghost Hunt é que parece funcionar muito na dinâmica que criam entre vocês os dois em vez de recorrer a colaborações pontuais.
Nós vemos algumas dessas colaborações, e até podemos correr o risco de ser mal interpretados, mais como um oportunismo. Nós não queremos cair nesse oportunismo, nós queremos fazer à nossa maneira. Quando surgir uma colaboração ela terá que vir naturalmente, não vamos estar a convidar simplesmente com o objectivo de alcançar outros fins. Por exemplo, ter uma pessoa a cantar só para passar mais na rádio. Obviamente, que as colaborações são uma óptima ideia, mas só quando tiverem que acontecer.
E como se gera essa dinâmica?
O processo criativo é sempre dos dois. Vivemos em cidades diferentes e muita da discussão faz-se a partir da partilha de ficheiros. De uma ideia base vamos criando o tema e quando pensamos que ele está pronto tocamo-lo ao vivo. Os temas vão tendo sempre um grau de liberdade, mas não nos temos perdido muito em encontrar diferentes abordagens aos que já consideramos prontos, o Red Zone é um exemplo disso, mas depois há outros como o Disconnection que sofreram grandes alterações. O facto do Pedro Oliveira ter deixado de utilizar a loop station contribuiu para dar algo mais orgânico às músicas e vamos adaptando muito as músicas ao diferente material que vamos utilizando.
O vosso percurso está muito longe de ter começado com Ghost Hunt. Como é que encaram este projecto e o que é que ele representa no vosso percurso?
Pedro Chau – corresponde àquilo que eu ando a ouvir neste momento. Mesmo antes de formarmos os Ghost Hunt já andava à procura de outras coisas e o Pedro apareceu na altura certa.
Pedro Oliveira – Eu também posso dizer a mesma coisa, o Chau apareceu na altura certa (risos). Por questões pessoais deixei de tocar durante um tempo. Fazia umas experiências em casa, a ligar cabos e a fazer umas experiências com a electrónica, mas não andava a fazer música, nem já esperava fazer. Foi um momento da minha vida em que precisava de alguma coisa para me agarrar. E o facto do feedback ter sido bom tem sido uma motivação. Podíamos estar a fazer mais coisas, musicar filmes, tentar apresentar candidaturas para tocar no estrangeiro, mas estamos tão satisfeitos com o que tem acontecido, que tem sido mesmo motivador e do pouco tempo de que dispomos direccionamo-lo para explorar músicas e o equipamento que temos. No fundo, queremos que a nossa música seja uma coisa imediata, talvez até em certa medida ligado a uma certa ética punk, sem querer ser elitista, sem ser super complexa, e que emocione as pessoas.
Para finalizar, quem gostariam que pegasse na vossa música e a remisturasse de alto a baixo?
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* Este texto não é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.