Fotografias: websites dos artistas mencionados.
Os vértices de uma constante mutação
É mera suposição, mas podemos jurar que o grande responsável por um dos momentos altos da edição do Milhões de Festa do ano passado, o concerto de The Bug, foi o André Forte. Sendo tal verdade ou não, encontra-se sempre justificada uma conversa com o responsável pelo apoio à imprensa da Lovers & Lollypops. Qual Éder e a sua luva aparece sem se dar por ele, um trabalho invisível, mas indispensável para o ambiente místico que se vive nas margens do Cávado nas últimas semanas de Julho.
Sem sombra de dúvida que o concerto de The Bug foi um dos momentos altos do ano passado. Este ano repete The Bug, há Varg e Ho99o9. É uma maior atenção por parte da organização para uma eletrónica menos acessível e para o hip-hop?
Antes de mais é muito importante percebermos que The Bug não vai ser uma repetição: o set dele no ano passado é focado na sua exploração sonora, uma explosão violenta entre texturas de eletrónica europeia e um inegável fascínio pelos ritmos e graves da Jamaica. Este ano, o Kevin traz Acid Ragga, que é a sua versão mais festiva, mais focada no Dancehall que explodiu na transição dos 80s para os 90s.
Posto isto, dificilmente conseguimos definir que há um foco num género específico. Estamos sempre à procura de novas linguagens, de artistas que estejam a derrubar barreiras, e isso acontece em diversas frentes ao mesmo tempo – no máximo, fazemos um genuíno esforço para as acompanhar, como acontece com Nan Kolè e o seu Gqom, com as novas sonoridades da América Latina de Nicola Cruz e Barrio Lindo, com o crossover entre hardcore e hip hop dos Ho99o9, e, para encerrar o chorrilho de exemplos, com as residências que promovemos com vista a termos algo nunca antes ouvido no Milhões de Festa.
Outra característica do Milhões sempre foi a existência de um nome grande nas áreas mais pesadas do rock? Este ano isso não é tão evidente, alguma razão em particular?
Em nome da verdade é impossível não encarar os The Heads como um nome seminal dentro do rock de riffs e psicadélico. Os ingleses estão para o riff em Inglaterra como os Kyuss estiveram no EUA, e são uma das bandas mais influentes do género. De todo o modo nunca pensámos em preencher esse tipo de quotas, ou programar o festival em torno desses nomes "grandes". No contexto do Milhões de Festa, cada nome trará algo único e acrescentará valor à narrativa que criamos, e é nesse sentido que os acrescentamos aos alinhamentos. Mesmo assim, no que diz respeito ao dito peso, não poderíamos estar com melhor representação. Para além de The Heads, nomes como Part Chimp, Oozing Wound, Big Naturals, ou mesmo os Ho99o9 (que passam o seu teclado/portátil por 5 amplificadores de guitarra e baixo) vão tratar de arranjar problemas de costas a muito boa gente.
A diminuição do número de concertos quer no Palco Taina quer no horário noturno é outra das novidades. Qual a razão?
Sempre pensámos o Milhões como um work in progress, e melhorar não só as propostas de programação como os próprios espaços e o seu aproveitamento está inscrito nos nossos objetivos. De ano para ano procuramos perceber o que resulta e não resulta, e considerámos que a melhor maneira de potenciar o Taina passaria por mudá-lo para dentro do recinto, e gerir a sua oferta de outra maneira, focando-nos nas horas de maior afluência. Mesmo de noite, o slot que retirámos do alinhamento era, infelizmente, muito pouco visitado, pelo que decidimos pensá-lo como uma hora perfeita para se comer – ainda que nunca deixe de haver música de fundo, com a "Rádio Popular" do Paulo Cunha Martins a manter os níveis de Festa nos Milhões.
Um dos concertos que mais expectativas nos está a criar é a colaboração entre Marshstepper, HHY e Varg. Como surgiu esta colaboração e o que podemos esperar dela?
Muito simplesmente, os Marshstepper são fãs assumidos do Jonathan Uliel Saldanha (HHY) e amigos próximos do Varg. A vontade de colaborarem entre todos, assim como uma admiração mútua, sempre existiu – a nós coube-nos proporcionar a residência e a oportunidade de três entidades tão criativas, interessantes e dispares de colaborarem em algo completamente novo. O que esperar, não sabemos; provavelmente, nem eles sabem ainda o que vão criar em conjunto. Sabemos da veia performativa dos Marshstepper, algo que não é comum no techno, a abordagem cerebral e indutora de letargias do Varg, e os dubs cavernosos do HHY. Tem todos os ingredientes para ser algo transcendente.
Uma das características do Milhões é a colaboração entre diferentes músicos, por exemplo Black Bombaim, Shela, Rodrigo Amado e Isaiah Mitchell há dois anos. Este ano haverá algum concerto deste género?
A nossa aposta nesse sentido foca-se nas residências artísticas: este ano temos Marshstepper a criar algo de novo em conjunto com HHY e Varg, ao mesmo tempo que temos os Sun Araw a trabalhar um concerto único para apresentar no Milhões de Festa. Mantemos, assim, a ideia de termos algo irrepetível no contexto do festival
O convite a outras promotoras e/ou músicos para ser responsável por parte da programação sempre foi uma das características do Milhões. Este ano quem são e quais os critérios que estiveram subjacentes à escolha?
Os mesmos de sempre: assumirmos que não conhecemos o circuito melhor do que ninguém e procurar as pessoas mais indicadas para nos ajudar no processo de enriquecimento da narrativa que construímos. Há alguns parceiros novos, nomeadamente da Galiza, mas repetimos curadorias de sempre, e com as quais pretendemos continuar no futuro.
Sempre apreciámos os pequenos recuerdos que trazemos do Milhões – seja uma t-shirt do Taina, a Novela Pornográfica o disco ao vivo de Black Bombaim, Shela, Rodrigo Amado e Isaiah Mitchell na Casa Azul. O que têm preparado para este ano que nos ajude a preencher aquele espaço na prateleira junto a outros momentos de eleição?
Para além do merchandise do Milhões de Festa, e de tudo o que o Taina e a Piscina trouxerem para cima da mesa, o essencial será as memórias que, em conjunto, vamos criar destes dias. Haverá, claro, a Novela Pornográfica, assim como imensas preciosidades para encontrar na Necromancia Editorial.
Que outras novidades gostarias de destacar na edição deste ano?
Não há forma de não falar das Arruadas Merrell – muito sucintamente, tratam-se de concertos secretos na cidade, de acesso gratuito, cuja localização será indicada pela performance itinerante do Sol Sistema, o combo de PA movido a energia solar com O Gringo Sou EU e DJ VA. Convidar as pessoas a descobrir a cidade em busca de actuações de Filho da Mãe, OTROTORTO e Ich Bin N!ntendo é entusiasmante.
Não trabalhamos na Bolsa, especulamos, mas mesmo assim apreciamos valores seguros, como tal quais as tuas grandes apostas para este ano? E porquê?
A minha grande aposta, de um ponto de vista completamente pessoal, é sempre The Bug. Onde quer que Kevin Martin toque com o seu condão de Midas é puro ouro, e eu não espero outra coisa da Acid Ragga que ele está a preparar. De resto, estou em pulgas para ver o ensemble de afrobeat Bixiga 70, com a violência dos Ho99o9 e com o grime desacelerado do Gaika. Espero poder parar para dar uma espreitadela a cada um destes concertos.