PALCOS

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Como "público em geral" e não como "profissional do espectáculo" fico sempre desconfortável quando a quebra da quarta parede chega ao ponto de nos levar a levantar, dançar, interagir de alguma forma com o espectáculo. Confesso, cobardia minha, que enquanto espectadora procuro no teatro um espaço-tempo para ser deixada em paz, a observar e a sentir o que me dão. Ou a dormir sobre isso nos casos muito maus, que os há. Percebo, contudo, que situações muito interessantes e desafiantes podem nascer desta interacção, quer para o público, quer para os actores. Lá chegaremos.

Em Playloud, na versão de Álvaro Correia, mal entramos, pela disposição dos lugares em relação à cena e pelas indicações dos actores percebemos, desconfiamos vá, que este poderá ser um desses espectáculos tão intimistas que chega a tocar-nos, literalmente.

Em cena histórias da fragilidade humana, da meninice que nos acompanha para sempre, da complexidade das relações humanas. Pessoas a expor-se, a dar-se, a dar-se-nos. Há uma certa ternura infantil em quase todos os depoimentos e há aquela coisa tão bonita em teatro que é dar a tragédia através da comédia. Toca-nos o que dizem ao percebermos que o sorriso esconde a dor inalienável. Isto é sobretudo visível na personagem do Vicente Wallenstein.

Aquele grupo de pessoas está ligada à música de alguma forma. Nalguns momentos são uma banda, noutros parecem começar a cantar para expiação dos pecados ou emoções, como nós costumamos fazer na nossa cabeça ou na nossa casa-de-banho, sabem?

Os momentos musicais estão muito bons nas vozes de Lia Carvalho e Cucha Carvalheiro e até Álvaro Correia tem um apontamento muito bem conseguido, muito cómico interpretando o que se chamará algo como "Urso Polar".

As personagens passam o tempo a fazer a apologia ao amor, obrigando mesmo o público a participar dela, a tocar-se, a tocar-lhes. No entanto, todas aquelas histórias parecem ter por base precisamente a falta de amor.

A encenação de proximidade, a relação com o vídeo e com a música de Hugo Franco funciona muito bem. A cena emociona, faz rir, faz bater o pezinho ao som da música, provoca até alguns playbacks involuntários. Conseguimos, deste lado, aproveitar um pouco para descomprimir e abandonar-nos e é precisamente por isto que digo sem pudor que este é um bom espectáculo. Durante o tempo que ali estivemos foi nele que estivemos a pensar, envolvemo-nos, esquecemos o tempo, queremos mais. Um bom momento de entretenimento – e não se pense que entreter é depreciativo, pelo contrário, custa-me que muitas vezes os artistas se esqueçam que é para o público que têm que trabalhar e não para o seu umbigo. Aqui isso nota-se. E é bonito. Porque é para nós.

Em palco dois dinossauros do teatro, Cucha Carvalheiro e Carlos Paulo, juntam-se aos dois jovens actores Lia Carvalho e Vicente Wallenstein e em nenhum momento este últimos ficaram a perder. Pelo contrário. A frescura e a energia com que querem dar tudo, mostrar o que têm, elevou muito a cena. De referir que Cucha trabalha também de forma surpreendentemente fresca as suas personagens, é um prazer vê-la assim em palco.

O espectáculo termina de forma cinematográfica com as personagens a abandonarem-se ao êxtase pós-emocional. E nós também nos deixamos ir ao som da excelente Exit music (for a film) e vamos entre o leve e o introspectivo a cantarolar para casa: today we escape, we escape.

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