Fotografias: José Frade.
Nove anos após a voragem da Expo’98 e os vazios urbanos tornam-se o tema agregador da primeira Trienal de Arquitectura de Lisboa. A compreensão que a malha nunca é um contínuo, antes a sucessão de cheios e vazios. A tipologia é vasta – os terrenos sobrantes, as antigas zonas industriais/portuárias ou os edifícios que assumindo o selo do tempo são simplesmente abandonados. Infelizmente pouco mais sobra desta edição que um notável livro sobre a temática. A discussão restringe-se aos círculos da especialidade, e juntamente com um défice crónico de cidadania, assiste-se à plastificação da malha histórica, como se os problemas se resolvessem substituindo o papel de parede; isto é, demolindo e reconstruindo segundo o padrão trés chic.
Hauschka, sensivelmente a meio do concerto de ontem no Maria Matos, confidencia-nos que após períodos diários de trabalho intenso sente um impulso – deambular pela cidade. A procura dos territórios abandonados e respectiva plasticidade, imaginar como serão daqui a uma centena de anos. Exercício cuidadoso de observação, interrogativo e que transposta com uma clareza ímpar para as suas composições. Abondoned City (2014) será o resultado maior desta reflexão. Temas como Elizabeth Bay, cidade abandona na Namíbia, ou Craco, sobre Cracóvia (deliciem-se com o vídeo) estão impregnados destas subtilezas. As certezas são ilusão, as ligações menos evidentes o caminho, a transformação de um instrumento clássico, como o piano num objecto polifónico, a sua materialização. Quem já assistiu a um concerto do autor, por exemplo a anterior passagem pelo Maria Matos, sabe que um piano não é somente um piano, antes objecto de transmutação. Anteriormente com as bolas de pingue-pongue atiradas para as cordas, numa imprevisibilidade sonora arrebatadoramente fresca, desta vez com a pandeireta, a fita adesiva negra numa espécie de marcação de limites sonoros, as pontas dos dedos como se de uma guitarra se tratasse e uma infinidade de objectos que aparecem e desaparecem na exacta medida de um novo rastro sonoro – mais electrónico ou de tintes clássicos e minimais. É surpresa a que se assiste mudo, tal e qual a personagem de Comès (Silêncio), atento às imagens que vão sendo transmitidas simultaneamente no ecrã, e com intensa curiosidade – haverá Playmobil escondido, debaixo das teclas e cordas, que sorrateiramente torna o imprevisível tão encantadoramente belo? O piano, ou a imagem que temos dele, despojado de todos os adereços, à excepção da fita preta, assumindo geometrias variáveis, no último tema, ou em diálogo com Óscar (nome dado ao violoncelo de Hildur Guđnadóttir), no primeiro, e que através dos cabos transmite as tonalidades e ritmos.
Um piano não é um piano, um concerto não é um concerto. Este foi lição de humanismo, uma ode libertária. Tivessem os vereadores e urbanistas ouvido mais vezes Abondoned City e Foreign Landscapes e as cidades seriam definitivamente um lugar melhor para se viver.
Hauschka + Hildur Guđnadóttir
Maria Matos Teatro Municipal
26 de Fevereiro de 2015