MÚSICA

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Vestidos de preto, ou quase todos. Passo compassado, lento. Tomam posição. Manifestação quase ritualista. À frente de cada um, uma partitura. Enrolam-na e com o auxílio do tubo de papel higiénico sopram. Eis uma pequena orquestra de sopros. Um arco em fricção com o cartão e metamorfoseiam-se numa orquestra de cordas. Mais tarde, duas mãos numa caixa com água e a precursão. A televisão, a caixa de ritmos e a deriva em direcção à electrónica. Não música, experimentalismo, improvisação, jazz ou em designação mais dissoluta – música “pica miolos”. Avesso a classificações, a segmentações ou exercícios infrutíferos de demarcação de estilo, foi com a Nova Orquestra Futurista do Porto, antecedida por Vicente e Marjamaki que começou mais uma edição do Festival Rescaldo.

Exercício de teimosia, afinal são 8 edições, de muitos cruzamentos, de entalhe, de cerzidura, de desenho de tangentes, e sobretudo de tratamento cuidado do vazio. Que a música não tem fronteiras é afirmação tão vazia como porta-moedas de pobre no final do mês. Muito provavelmente tal constatação começa muito antes da sedentarização, e nem é preciso recuar a 1952 e ao 4'33" para encontrar trunfo argumentativo. Programar sobre esta premissa é tão seguro como pré definir um estilo. Junta-se world, seguido de rock ácido e jazz dito livre, ponteia-se com laçarote de inovador, nas margens e o embrulho está pronto a servir. Dou graças a Deus, crente por uns segundos é verdade, por haver quem não caia no engodo, queira estar um passo à frente e tenha a atenção, a curiosidade e a persistência quanto baste. De memória, o concerto de Norberto Lobo + Carlos Bica, de Von Calhau, ambos na Culturgest, de Black Bombaim + Rodrigo Amado, na Trem Azul, e não por acaso considerado um dos melhores de 2013, ou ainda os tempos no Teatro da Barraca, nas primeiras edições. São exemplos, entre tantos, capazes de ilustrar o que deve ser o acto de programar – evitar a simplicidade das aparências, as justaposições canhestras; antes procurar a energia suficiente nos interstícios, arrancar os pontos de contacto para lhes dar visibilidade e, a partir daqui, criar desequilíbrios. Em primeiro lugar nos músicos, muitas vezes enredados nas suas capelinhas, e como consequência, no público. “Afinal é bem mais interessante do que estava à espera” ou “A partir de agora, andarei mais atento” são afirmações frequentes a quem assiste pela primeira vez. Já na segunda semana, celebre-se o muito aguardado regresso de Caveira + Gesso, 26.02 na ZDB, na Sexta-feira – Con Con + Joana Guerra (atente-se nas projecções) + La La La Ressonance (o norte fervilha) e, no último dia, noite longa com Luís Fernandes & Joana Gama (Quest), um dos discos injustamente esquecidos do fervilhante ano de 2014, Sumbu Dunia e a fechar – Adolfo Luxúria Canibal "Estilhaços", com textos de Mario Cesariny e do próprio Adolfo. Seria exagero afirmar que há o Rescaldo e depois os outros. Tendência megalómana assumida – Há o Rescaldo e depois os outros.

Festival Rescaldo
20, 21 + 26, 27, 28 de Fevereiro
Culturgest + ZDB

Bilhetes dia – €6
ZDB – €5
+ Informação – festival-rescaldo.info

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