MÚSICA

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Fotografias: José Frade.

Acenderam-se as luzes e a sala assumiu tons amarelos ao som de alguns aplausos que ainda se ouviam. Cruzaram-se olhares sorridentes entre amigos enquanto outros pareciam ainda despertar de um leve sonho de profilaxia.

Levantamo-nos lentamente quase em silêncio ou em vozes baixas que se misturam umas nas outras com as clássicas perguntas de final de concerto...

"Então gostaste?"
"O que achaste?"
"Opá eu adorei e tu?"
"Achei surpreendente e tu, que tal?"
"Bem o tempo passou num instante, não foi?"
"Gostei bastante, mas acho que o no Semibreve foi mais orgânico, não achas?"

and do son, and so on...

A halterofilia das espécies encontra-se numa vagareza de sonhos electrónicos. Enquanto se sai da sala cruzam-se os grupos e as ideias do que acabou de acontecer unicamente através de duas certezas: qualidade e inovação musical.

Roedelius apresenta-se elegantemente sintonizado com um palco composto por electrónica analógica e digital no alto dos seus quase dois metros que lhe dão um ar austero mas que contrastam com a calma do seu olhar e a vagareza dos seus movimentos estruturalmente pensados.

Roedelius-7

Faz uma vénia enquanto diz que o concerto irá ser dedicado a David Bowie e instantes depois mergulha no piano de cauda que ocupa o centro do palco.

"Reparaste que quando se virava para a electrónica se debruçava imenso para cima do portátil e semicerrava os olhos?"
"Não. No lugar onde estava só via a careca dele por cima do Mac."
"Achas que se esqueceu dos óculos de ver ao perto?"

As frequências sofisticadas evoluem à medida da partitura desconstruída que o piano dita, num exercício que se repete ao longo do concerto. O sintetizador modular do André Gonçalves acompanha com uma subtil esquizofrenia de sons que fazem sentido e ajudam a perceber melhor o que se passa com a electrónica que o José Gomes cria a partir dos inúmeros botões que roda e des-roda enquanto se balança levemente em algumas passagens de evolução musical (é o único que se agita, todos permanecem imóveis e ultra concentrados todo o concerto).

A história continua a ser contada enquanto novos sons se descobrem e evoluem subtilmente de forma sintetizada por entre formas abstractas de curvas e brilhos. Os mais evidentes são os que surgem da caixa com fios de esparguete coloridos do André e da plenitude das teclas do piano

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Os visuais que vedam as 5 personagens no palco compreendem de forma unidimensional o que se passa na atmosfera. Maria Mónica brinca de forma naif com os mais diversos objectos e texturas enquanto uma câmara empoleirada num tripé filma e transforma através de filtros, um acompanhamento visual de geometrias, aparências e movimento.

Rui Dias polvilha com electrónicas discretas dando uma dimensão estática ao tempo, nunca perdendo o seu ar autómato.

O ecossistema desenrola-se num vigor de viagem estrelar quando de vez em quando é interrompido por sons que nos levam de volta à Terra. Sons como água, vento, apitos, fogo, vozes, tilintares e outros, alimentam o corpo celeste que vai ganhando formas de claras em castelo.

"Adorei a música mas fiquei maluco com os visuais! Mikado?"
"Aquilo no final era Mikado? Quando vi pensei logo nisso mas não consegui ver o que ela tinha na mão."
"Não sei, também não consegui ver. Mas na projecção foi o que me pareceu."

A onda experimental foi desaguar num mar de ambientes habitados por referências musicais que nos confortam com a sua existência. O senhor Roedelius já conta com 81 anos mas a sua música é um tónico de influências que passa bem sem qualquer tipo de creme anti-rugas.

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