Fotografias: Tiago Frois.
Objecto raro. A marcação do tempo a alfinete. Uma Toada, cozer o som como matéria e tempo. Aquele pedaço de pedra que ilustra o primeiro LP de Live Low. O título cravado na pedra, como um marco, um marco geodésico a apontar outras altitudes, outros horizontes. O quarteto portuense Pedro Augusto (Ghuna X), Ece Canli, Miguel Ramos e Gonçalo Duarte em laboriosa execução. Artesãos, respigadores, arqueólogos e sonoplastas em missão de resgate do cancioneiro de Fausto Bordalo Dias ou Zeca Afonso. Cerzindo cada ligação com cuidado, apontado a cada nó e nestes não se enredando em exercício meramente histórico e contemplativo, mas criando lanços que permitem a cada nova audição uma outra fuga, o sentirmo-nos cómodos com o desconhecido. Objecto raro e encantatório, este.
Antes da estreia ao vivo com concertos no Porto, Lisboa e Lagos, a entrevista com o Pedro Augusto.
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O trabalho de Live Low vive muito desta ideia de experimentação sonora. Há a construção de uma matriz feita pela união de pontos imperceptíveis. Como decorreu todo o processo de composição e posterior gravação?
O processo de composição na verdade representa a grande parte do disco. Em termos de volume de trabalho, as sessões de gravação foram bastante rápidas e certeiras. Só tínhamos que achar o registo certo, gravar era simples, mantivemos todo esse processo bastante discreto e sem fatalismos, ou grandes necessidades técnicas.
A voz é muitas vezes utilizada como um instrumento. O ponto de partida para trabalhar este "instrumento" é o mesmo? De que forma a trabalham para que não haja sobreposição, antes complementaridade entre a parte instrumental e vocal?
Claramente. Desenvolvemos a estrutura das músicas em partituras, às vezes visuais. Cada instrumento teria o mesmo peso, mas funções diferentes. Naturalmente, há momentos do disco, em que a voz toma a lide, e outros em que se parece mais com um arranjo "tradicional". Por exemplo o tema do Fausto, a voz faz a vez da flauta, dá a pulsação original da música que nos fazia falta mais do que à letra. E todos adoramos a letra, mas não era uma necessidade usá-la.
No tema O Sol, a voz apresenta um registo mais familiar. Qual a necessidade de a assumir desta forma mais "tradicional"? Um corte com os temas anteriores?
O Sol é tão inovador como qualquer um dos outros temas. Formalmente básico, mas com um certo mistério, que acho que passa muito pelo facto de a Ece ser turca, e pelas marcas da sua interpretação, pelo teclado, pelo andamento...
Já em Amanhã, há uma frase que não nos sai da cabeça – "Este dia há-de passar (...) e o dia de amanhã". Há uma dose de fatalismo, mas independentemente disto pensam que a palavra ainda é a melhor forma de transmitir uma mensagem?
Se achássemos que sim, decerto ter-se-ia usado mais palavra. Esse tema representa o "fatalismo" do dia seguinte, da repetição das rotinas, do trabalho...
Inevitável referir o tema Lembra-me um Sonho Lindo, de Fausto Bordalo Dias, e o Ópera do Zeca, que pensamos ser referência ao Zeca Afonso. Porquê e porquê neste momento recuperar autores desta magnitude?
O Fausto e o tema que escolhemos foi uma das primeiras marcas de simbiose deste ensemble. Todos nos sentimos atraídos por ele, e tínhamos o desejo de pegar nisso. A Ópera do Zeca esteve quase a tornar-se realmente uma ópera minimalista, e havia qualquer coisa no tema que nos remetia ao Zeca… E claro, que também somos consumidores da sua música, e há um profundo respeito por ela
O vídeo de Lembra-me um Sonho Lindo é uma magistral deambulação em negro entre estruturas em betão e os ramos das árvores, ambas facilmente reconhecíveis, mas que ao aparecerem invertidas tornam-se formas abstractas. Como surgiu a ideia e o que pretenderam transmitir?
O Dinis (Dinis Santos) seria a melhor pessoa para responder a esta questão. Havia a ideia da passagem do dia, se reparares começa de noite, acaba ao amanhecer – que é exactamente o espaço temporal que não existe no disco. E havia o diálogo urbano-natural, e ele consegue dar uma carga dramática e muito misteriosa a isso.
Depois de dois EP's (Live Low (2014) / Versions (2015)) porquê gravar Toada? O que acrescenta face aos trabalhos anteriores?
Gravar o Toada foi simultaneamente o desafio de criar um longa duração que não existia, e de concretizar uma ideia a que nos propusemos.
Como se complementam estes dois polos – Live Low e Ghuna X?
Mantém-se a exploração sonora, a fusão de timbres. Mas em termos de linha de trabalho e ideias, são bastante diferentes.
Ficamos com a ideia que, e apesar de vivermos na idade da interconectividade, este disco não poderia ter surgido senão no Porto. Há uma carga dramática em Toada que remete para o peso da massa granítica ou, se bem que algo distinto de Live Low, para projectos como Calhau!. Será meramente impressão nossa? Ou imaginar-se-iam a compor este trabalho noutro lugar do planeta?
É verdade, e pensamos sobre isso. Apesar de ser um pensamento válido para qualquer outro disco ou circunstância, havia uma certa consciência do momento, da época, e do espaço envolvente.
Porquê ter sido editado pela Lovers & Lollypops e como é trabalhar com eles?
A maior parte de nós já tinha relação com a L&L por outros projectos musicais, quando falámos com eles sobre o disco que estávamos a fazer eles apoiaram quase sem ouvir. Isso demonstra um certo tipo de confiança, que é positivo.
No vosso entender, pensas que corresponde também a uma maior abertura da parte da Lovers para este tipo de sonoridades? Lembramo-nos da edição dos dois trabalhos de Medeiros/Lucas (Mar Aberto e Terra do Corpo).
Acreditamos que sim.
O concerto de apresentação vai contar com LAmA e Coelho Radioactivo. Como foi colaborar com eles os dois? O que podem acrescentar ao concerto?
Como diria o LAmA, muita "magia". São músicos com muita experiência, e vão permitir-nos concretizar algumas adaptações ao vivo, porque os temas tiveram que ser reformulados para esse formato.
E em Lisboa, seremos capazes de sentir num espaço como o Musicbox a densidade e o intrincado de relações que caracteriza o trabalho de Live Low?
Esperemos que sim. Tentaremos criar um ambiente intimista, que nos faz sentido.
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Live Low + LAmA + Coelho Radioactivo | 21 de Outubro | Circulo Católico de Operários do Porto | Porto
Live Low + Bloom | 25 de Outubro | Jameson Urban Routes | Musicbox | Lisboa
Live Low | 05 de Novembro| Festival Verão Azul | Lagos
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* Este texto não é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.