Thank God For Your Mental Illness, Mr. Newcombe
“Fuck War.”
Estas são as duas palavras que parecem formar hoje uma das muitas mensagens de Anton Alfred Newcombe, famigerado líder dos The Brian Jonestown Massacre, talvez o segredo mais bem guardado da cena independente da West Coast norte-americana made in the 90's.
E não, não há ironia nelas e desenganem-se os que ficam tentados a encontrar neste pequeno conjunto de carateres apenas uma reinterpretação prosaica de um chavão hippie mais que batido. Pelo contrário, Anton Newcombe, homem de palavras e significados intermináveis com um caraterístico pensamento galopante, parece querer condensar nestas duas a força de uma linha de pensamento que definiu o seu modo de vida, a sua obra, a sua carreira – e a peculiar gestão da mesma – uma força que acaba por traduzir a matéria de que é feito.
Cheguei a esta conclusão quando, há uns meses, conversei com ele numa sala fria e escura de um antigo complexo industrial agora transformado em centro cultural da nova Manchester, o The Victoria Warehouse.
Durante mais de uma hora, por entre chávenas de chá acabado de fazer, ao invés de testemunhar in loco o frontman déspota, temperamental e violento imortalizado pelo documentário Dig! (o mais rock n’ roll de sempre), assisti sim a um homem de bem consigo, orgulhoso da sua sobriedade e com um entusiasmo borderline génio bordeline paranóico por tudo o que o rodeia. Vi os assuntos e as suas veementes opiniões fluirem da sua boca com a mesma paixão e velocidade com que compõe, daí que seja inacreditável perceber que o extenso legado musical do qual já é responsável é o resultado direto da maneira como a sua cabeça funciona 24/7. Tudo cabe nas suas conversas, como tudo cabe na sua música. Se não vejamos.
A história de Anton Newcombe e dos The Brian Jonestown Massacre confunde-se não fosse ele o seu membro fundador e sua força motora inesgotável.
Em início dos anos 90, na California, os BJM começaram por ser desde logo um género em si mesmos, tecendo o seu som numa teia ziguezagueante de guitarras que lhes dava o direito a reclamarem a si ser os herdeiros diretos da psicadélia dos anos 60, com piscares de olho bem sedutores ao shoegaze e sem abrir mão da tradição folk e country.
A partir de 1995, são responsáveis por alguns dos melhores álbuns que o cruzar de século deixa para a história, resultantes de uma mistura improvável de revivalismo hippie com uma atitude punk DIY em que pouco importa se os elementos da banda dominam os instrumentos ou se a produção e gravação são primorosas. O que Interessa é fazer rock n’ roll como quem imita Deus.
Methrodrone ,Their Satanic’s Majesties Second Request, Thank God For Mental Illness, Take It From the Man, Who Killed Sargent Pepper são apenas alguns dos exemplos de coleções de canções que nos deram verdadeiros elixires da eterna juventude como são o caso da hipnotizante Anemone, Nevertheless, It Girl, When Jokers Attack, If Love is The Drug Then I Want to OD, Pish, e a lista segue interminável não tivesse a banda mais de 15 álbuns, EPs, bandas sonoras ou álbuns ao vivo.
Fosse por nunca se renderem ao ‘show business’ – já que sabotaram todas as oportunidade de assinar por uma major label – fosse pelas referências mais ou menos subtis, os pastiches, as citações, as apropriações, o admirável é que nunca nos BJM houve espaço para pedidos de desculpa ou de licença. Logo, com uma tão longa discografia, não é surpresa que algum do material deslize, seja menos forte ou soe a algo requentado. Contudo, até nesses momentos, é impossível não concordar que nunca se deixou cair em facilidades. Uma quase inacreditável delicadeza, ora refinada ora áspera, uma verdadeira sofisticação e sempre ligação com o aqui e agora revelam-se quase sempre nas suas canções e escondem-se igualmente atrás das pretuberantes patilhas dos inúmeros músicos que deles fizeram parte.
São estes os elementos que elevaram os BJM, hoje, quase 30 anos volvidos sobre a data da sua fundação, a banda de culto. Uma banda que tem apenas como objetivo tocar rock n’ roll em jeito de missão: a de ajudar um mundo amedrontado que tem urgentemente de se deixar de merdas.
“Vivemos tempos em que as pessoas têm medo. E as pessoas só vão deixar de ter medo quando se interessarem, ou as fizerem interessar verdadeiramente por alguma coisa”.
Nesta afirmação, qual Umberto Eco com uma coleção admirável de pedais de distorção e com uma inacreditável experiência com drogas duras e álcool, Anton Newcombe defende que é seu dever lançar o desafio ao ouvinte que tem a tarefa nobre de completar as suas criações. Mas não no sentido de descortinar as intenções originais mas no exercício de construir novas que não as dele. É dessa dialética que o músico se alimenta e nos alimenta.
E se, muitos dos seus temas são embrulhados numa pluralidade caleidoscópica de significações possíveis também assim é o seu discurso. Um discurso de um homem de 48 anos que se deixou também ele de merdas, que trocou os EUA por Berlim como statement contra o status quo, que deixou de lado as drogas e o álcool para se dedicar ao que mais gosta: ser pai, marido, músico. Um músico brilhante, em paz – ainda que maníaca – que não se cansa de dizer “Fuck War”. Uma guerra contra a preguiça, o conservadorismo, a mediocridade.
Os The Brian Jonestown Massacre vão estrear-se finalmente em concerto em Portugal já amanhã, dia 9 Setembro, no Festival Reverence Valada.
Para os que os perderem, paz sim à sua alma. E depois digam que o maluco é ele.