“I have nothing to say and I am saying it”
Por vezes as palavras custam a sair. Como explicar algo tão complexo e ao mesmo tempo tão subtil que mais parece roçar o absurdo? E as palavras que escolhi para título deste texto - uma das citações mais conhecidas de John Cage – dizem exactamente o que quero dizer.
Jonathan Burrows e Matteo Fargion, bailarino/coreógrafo e músico/compositor, respectivamente, apresentaram no Maria Matos um alinhamento de performances do seu trabalho em conjunto a que deram início em 2002. Desse ciclo de cinco sessões, assisti a três. A saber: Speaking Dance, Body Not Fit For Purpose e One Flute Note, Show and Tell e Rebelling Against Limit.
Podia escrever um texto para cada performance, mas na verdade, não faz muito sentido porque iria cair nas malhas da repetição. Todas elas tinham algo em comum: o absurdo. O absurdo é das melhores coisas que pode acontecer nos meandros da arte. Criá-lo, é tão desafiante como não ter nada para se dizer e dizê-lo.
Em Speaking Dance, Burrows e Matteo apresentam-se sentados de cadernos em mãos e assim que começam a debitar sons fiquei com vontade de beber e fingir que sabia dançar. Este jogo de repetição de palavras delineiam uma onda de ritmo contagiante. Também me fez lembrar aquela questão das lyrics na música. Com facilidade se goza com a letra de algo cantado na nossa língua, mesmo que o resultado final – essa junção da poesia com o som – soe bem. Quando essa combinação é num outro dialecto que não o nosso, parece não ser muito relevante o que está a ser dito. A maleabilidade das palavras, o tom, grave e agudo, entoado ou desencantado. Os movimentos de gestos miméticos fazem essas palavras dançar.
Body Not Fit For Purpose explora a incapacidade que a dança tem para caracterizar qualquer tópico de interesse relevante. Para explorar tal inaptidão, criaram a sua própria tentativa: em modo de apresentação noticiosa, abordando temas políticos apenas com Jonathan a mover-se entre gestos ao som do bandolim de Matteo. Tem piada porque é verdade. Enquanto que o anterior parece criticar as danças que têm muito para dizer, One Flute Note brinca com aquelas que pouco têm a dizer. Novamente a repetição de sons está presente, assim como coreografias desajeitadas.
Rebelling Against Limit toca na sinceridade de um autoconhecimento penetrante. Sentado do centro do palco atrás de uma mesa, computador e microfone, Burrows vai falando para o público, acompanhado por Fargion ao piano e ilustrações de Peter Rapp projectadas numa tela ao fundo mas é em Show and Tell que tudo se conjuga. Dei por mim a esboçar sorrisos ao escutar Fargion a tocar acordes ao piano enquanto Burrows lia uma vasta lista de referências que deixaram a sua marca na sensibilidade destes dois senhores. O movimento fluxus, wrestling profissional, Monty Python, Bohemian Rhapsody, só para mencionar alguns dos meus favoritos. Fiquei a gostar ainda mais deles com esta partilha porque percebo exactamente o que querem dizer. Mesmo que seja nada...
Ambas palestras musicadas, são uma contextualização da obra conjunta e acho que ambos sentem uma necessidade de o partilhar com o público, talvez com receio que não os levem a sério. Em todas elas, a imprevisibilidade é deliciosa, nunca aborrecida e viciante. Mencionaram as suas limitações artísticas como um catalisador para fazerem o que fazem. Não me parece que haja grandes limitações quando pegam em algo aparentemente tão básico como a repetição de sons e conseguem criar uma linguagem partilhada com enorme poder de reflexão. A arte devia ser toda assim. E esta dupla fá-lo com uma mestria invejável.