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Entre a Instalação e a Performance

O MAAT abre as suas portas a três novas exposições, todas elas bastante peculiares pela linha que seguem associada à imersividade. Há uma espécie de Gesamtkunstwerk (uma ideia muito desenvolvida por Wagner nas suas óperas, nas quais se preconizava a imersão sensorial completa do espetador), de obra de arte total nestas três grandes “instalações”. Todos os sentidos se conjuram na experiência que temos delas, entre som, imagem, pensamento, movimento e texturas.

Se algo se tem vindo a afigurar claro, nestes últimos meses desde que abriu o MAAT, é que a grande sala oval do novo edifício se presta a estas grandes expressões que oscilam entre a performance e a instalação. A obra de Carlos Garaicoa, Yo nunca he sido surrealista hasta el día de hoy, não é exceção e convoca o nosso corpo na sua totalidade para dela retirar o máximo de perceções: é um jardim, é uma cidade, é um jardim-cidade, relembrando o ideário modernista, onde os elementos vegetais coabitam com uma sintaxe urbana de metal, luzes e cores. Neste lugar imaginado, quase fantástico, mas bem reconhecível, a noite o dia confundem-se, o inerte e o vivo são indistintos. Na verdade, a instalação é uma noite perpétua numa cidade sonhada, sem vento e de atmosfera controlada. As luzes acendem e apagam, simulam uma realidade alternativa, constroem uma ficção. Há um ténue aroma da vegetação (verdadeira) “plantada” no museu; o ruído dos passos no cascalho; semáforos passam de verde a vermelho sem tráfego automóvel algum. Se é certo que a obra tem uma conotação vincadamente arquitetónica (foi uma construção de uma maquete ensaiada pelo artista anos antes), também é de notar este seu caráter cinemático e político, uma vez que, quer queiramos quer não, construir cidade é fazer política, nos seus sucessos e fracassos, nas suas contradições e tensões, na sua utopia e distopia.

Untitled (Orchestral), de João Onofre, serve-se do património industrial e faz uma espécie de “arqueologia” da sala das caldeiras. Esta arqueologia é conseguida através do som, da instalação de múltiplos robôs que interpretam uma partitura concebida de forma a absorver os vários componentes daquele espaço e que lhe conferem uma identidade muito particular. Há um reativar de uma memória laboral que se julgava esquecida. De facto, tanto a obra de Onofre como a de Garaicoa para o campus MAAT servem-se precisamente desse acervo deixado pela EDP e a ele recorrem para o discurso que estabelecem: aquele pelo recurso às condutas, estruturas e caldeiras da antiga Central, este pelo uso que faz de vários candeeiros obsoletos que se encontravam em reserva.

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O curioso na obra de Onofre é justamente a sua vertente multidisciplinar, um trabalho para o qual contribuíram vários autores: compositor, curador e engenheiros. A participação de especialistas em mecatrónica da Universidade Católica do Porto terá sido fundamental na elaboração de todo o aparato de software, hardware, de programação e sonorização. Todos os dispositivos estão sintonizados para uma partitura que junta não só o que já foi referido, mas também a luz natural do sol, em tempo real. E quando se julga, depois desta larga descrição, que a obra parece um tanto quanto formulada, conceptualizada e matematizada, o corpo vibra, mexe instintivamente, e segue o ritmo quase animista da precurssão. E, tal como o curador Benjamin Weil sugere, somos embalado na banda-sonora de um filme.

Finalmente, Ana Pérez-Quiroga, em APQHome – MAAT, leva a performatividade ao extremo ao explorar um confronto interior entre encenação e realidade. A artista concebeu um lar num museu, desde os traços mais vastos que comportam o espaço da habitação e do jardim, até aos pequenos detalhes decorativos. E este lar, esta habitação, não é ficção, não é fait-diver: há convidados que vão mesmo lá pernoitar e fazer a sua vida quotidiana.

De resto, tudo é mão-de-obra e produtos portugueses. O mecenato, o patrocínio e o apoio aos artistas é uma preocupação fundamental de Pérez-Quiroga: os sofás revestidos a burel, os vidros soprados como era tradição, o mobiliário é concebido por carpinteiros conhecidos da artista…

É uma obra muito abrangente e complexa, desde a elaboração peça-a-peça, até às dimensões que suscita: o doméstico; a já mencionada performatividade dentro de casa dos habitantes, dos convidados e dos visitantes do museu; do voyeurismo e; todo um lado também político que questiona o boom turístico da cidade de Lisboa nos últimos tempos, como o curador Pedro Gadanho muito bem referiu. A constar do conceito há também uma página de Internet, uma simulação virtual da casa, na qual se pode vir a adquirir todas as peças, desde as mais robustas às mais insignificantes. A virtualização da intimidade constitui, igualmente, motivo de exploração ao associar-se a toda outra espacialidade que não é acessível no museu.

É, pois, este trabalho entre o íntimo, o privado, e o que a todos está acessível que Ana Pérez-Quiroga procura investigar: “de nos tornarmos ação artística a partir duma simples ação do quotidiano”. E esta é uma expressão que, de certo modo, se enquadra nas restantes instalações já abordadas, isto é, as instalações ativam-nos, retiram-nos de uma passividade lânguida contemporânea e fazem do corpo motor de reflexão e perceção.

Yo nunca he sido surrealista haste el día de hoy, de Carlos Garaicoa, Untitled (Orchestral), de João Onofre, e APQHOME – MAAT, de Ana Pérez-Quiroga, estão patentes no Campus MAAT até 18 de Setembro e 09 de Outubro, respetivamente.

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