PALCOS

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No escuro ouve-se o violino e a guitarra em dois pequenos focos e eu sinto-me prestes a presenciar algo muito bom. Naqueles segundos que isto dura fico feliz pelo teatro, por mim no teatro, por todas as pessoas que hoje vieram compor esta plateia.

Começo a vacilar quando vejo o corpo espasmódico semi-nu, mas olho em frente, a música é boa e vai aquecendo os sentidos para o que aí vem. Pensei eu.

O corpo espasmódico levanta-se e continua a sua dança indiferente a tudo. Texto é dito, gritado, cantado – muito bem cantado por sinal! – e o público a perder-se, a perder-se naquilo tudo a caminho do não retorno.

Ela fala do Messias que todos esperam e nunca chega, ela ironiza com a televisão, o facebook, as multidões mansas apesar do desespero, as multidões que seguem apesar da desilusão, as multidões que precisam da salvação e tenha ela a forma que tiver hão-de procurá-la entre mais um copo e um cigarro.

Ela faz tudo isto gritando, cantando, dançando até chegar ao ponto do stand-up para um público nada reactivo ao que vê. É que a explosão, se não tiver um sentido que pretenda envolver-nos, que pretenda fazer-nos a nós senti-la, não passa de uma implosão sem eco. E depois não temos vontade de levantar as mãos quando ela pede. E depois é só estranho.

E depois diz-se que temos que ir back to black, ser livres outra vez, acho, e novamente o corpo vem requebrar-se na nossa direcção, recomeçando tudo infinitamente, com a mesma aparente falta de sentido. É que é poesia, poderia dizer-se, só que não é. Porque os textos poéticos podem ser abstractos mas, em sendo bons, fazem-nos sentir coisas, fazem-nos maravilhar com a forma das palavras que de repente formam em nós ideias que não tínhamos visto antes de as ler ou ouvir. Aqui o texto é uma sucessão de imagens sim, mas sem um fim, sem uma saída, sem chegar a algum lado que não sejam comparações que tentam ser bonitas só pela forma e não pelo que têm lá dentro. O que terão lá dentro?

O criador, João Garcia Miguel, diz antes do espectáculo que: "no final se quiserem falamos um pouco para vos explicar o que acabaram de ver". É generoso, mas preferia que o tivesse sido durante o espectáculo, preferia que nos tivesse dado algo durante esse tempo em vez de, no fim, ter que explicar tudo o que acabámos de ver. Devia ser para isso o palco, para dar coisas que pudéssemos levar connosco para casa e não coisas que depois têm que ser justificadas para ganhar valor.

Fiquei triste, dará para reparar, não fiquei revoltada como perante certas performances que não passam de afagos de egos imensuráveis. Aqui o trabalho da actriz, Sara Ribeiro, foi honesto e despretensioso, pareceu-me – e os dos músicos idem, muito bom. Ela deu tudo, tudo mesmo. Deu tudo foi sem direcção, sem fim, sem ideia por baixo. Pelo menos a este lado não chegou.

É o retrato da época em que vivemos sim, o teatro a ser substituído por este tipo de performance que não chega, que não exige ideias intrinsecamente fortes e bem construídas, mas não é o retrato da época em que eu quero viver.

Los Negros e os Deuses do Norte é um espectáculo que aconselho a quem quer ver um bom momento musical em que um actor se mostra sem qualquer corrente que o prenda. Mas é só.

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