Fotografias: Jorge Gonçalves.
Não vou mentir, quando soube deste Doce Pássaro da Juventude as minhas expectativas foram lá para cima imediatamente. Artistas Unidos, Maria João Luís e Tennessee Williams, foi quanto bastou para marcar a estreia na agenda e já estava a salivar mal me sentei. Advertidos disto, posso então descrever ao que fui.
Num quarto de hotel vemos a actriz decadente e agora em fuga, Alexandra Del Lago, a acordar de um pesadelo ao lado do seu amante Chance Wayne que não reconhece à partida. Falta-lhe o ar, falta-lhe a memória mas assim que começa a lembrar-se de qualquer coisa agarra-se à vodka da noite anterior, ao haxixe marroquino, aos comprimidos, a Chance, até que não restem imagens e lembranças, para sempre. Não é do passado que ela foge, é do futuro. Quer garantir que não perde mais nada, que não envelhece mais. Quer acreditar que pode viver de quarto em quarto de hotel, incógnita e a esconder-se de si própria para nunca destruir a imagem de um passado que o tempo teima em ir apagando.
Chance Wayne, o amante aspirante a actor, melhor, a famoso, aproveita a companhia de Alexandra para regressar à sua terra natal onde não é bem-vindo. Quer, através do sucesso dela, provar o seu. Mostrá-lo a todos e assim recuperar o amor que ali deixou na adolescência, Heavenly. Também ele quer agarrar-se ao seu passado, quer resgatá-lo de onde o deixou.
E o que é que se passa naquele quarto?
O que eu vi foi um combate entre egos que a juventude dele não lhe permite ganhar. E um combate pelo amor, que ambos vão perder.
No meio de tudo isto, que parecendo pouco nos deixa agarrados à cena duas horas, o melhor são as sublimes interpretações dos actores.
A Maria João Luís a não desiludir nunca, com a sua personagem frágil, desesperada, despedaçada mas sempre com uma força latente e esmagadora de quem já viveu quase tudo. A cena é dela, resta-nos deleitar-nos.
O Rúben Gomes a surpreender-me a mim, que ainda não vira nenhum dos grandes papéis que tem tido, e a agarrar o público com a mesma força da sua contracena mais experiente, ganhando aqui à personagem que cria, irremediavelmente perdida apesar das ameaças de força.
E eis que ganha o palco o desconcertante Américo Silva, uma delícia o seu Boss Finley. E se acham o adjectivo pindérico é porque não o viram a deixar o público extasiado como crianças a pedir mais rebuçados. Que maravilha de actor!
Todo o elenco está excelente até às participações mais pequenas e quando aquele nível que ali vemos acontece, o espectáculo está logo muito perto de ser brilhante.
E afinal, da cena com o que é que ficamos?
Contra todas as expectativas ela consegue a sua vida de volta, já não precisa de fugir, de se afogar em esquecimento, já não precisa de qualquer Chance, é livre outra vez, tem mais um sopro da juventude que pensara perdida. O amor pouco importa, o medo desapareceu.
Ele fica preso à sua pequenez de onde partiu e sem o amor do passado que veio buscar. Castram-no de tudo. Não fica sequer com a única coisa que tinha: a juventude, o tempo.
–
Doce Pássaro da Juventude
De Tennessee Williams
Encenação: Jorge Silva Melo
Artistas Unidos
São Luiz Teatro Municipal – Sala Principal
Quarta a Sábado às 21h00; Domingo às 17h30 (até 26 de Abril)
M/14
€12 a €15 (com descontos €5 a 10,50)
Sessão LGP: Domingo, dia 19
Duração: 2h