"Antes e depois materializa o tempo que nunca se repete"
Ainda vai a tempo de ver ou tornar a rever a instalação de Miguel Ângelo Rocha que se encontra no CAM, comissariada por Nuno Crespo; aliás o tempo é uma das preocupações que se encontra materializada nesta exposição. Nenhuma mostra expositiva fica inteiramente terminada no plano do olhar, mas nesta, este facto torna-se particularmente revelador porque a composição musical concebida para esta instalação escultórica foi realizada continuamente sem nunca se repetir ao longo da mostra «Antes e depois». O espectador que visite este trabalho mais de que uma vez, nunca ouvirá, dentro da sala a mesma música com a sua sonoridade; a sua duração coincide com o tempo da própria exposição. A duração do tempo é irrepetível.
Neste projecto, surge uma conciliação estreita entre as duas partes do trabalho, fazendo ambas parte da mesma instalação numa total sintonia. A escultura marca a corporização e materializa o tempo que foi concebida para este local, funcionando como uma instalação site specific, inédita distribuída por três espaços em duas salas, a Polivalente e a Galeria de Exposições Temporárias. O papel do espectador é crucial porque as peças escultóricas não se dão a ver de uma só vez, mas terão de ser descobertas pouco a pouco pelo visitante e percorridas pelo seu próprio corpo porque é uma obra que não tem princípio, meio e fim; sendo um trabalho que não começa nem acaba, tratando-se simplesmente de um risco contínuo; não tendo nem um início nem uma conclusão. É a condução do nosso olhar que escolhe e selecciona este ou aquele ponto de partida. O tempo daquilo que está a ser, um tempo nunca completo e acabado mas num permanente movimento de aproximação em si mesmo. "Confrontamo-nos com a coexistência da escultura, visível e com a obra musical invisível, ambas experienciadas pelo nosso corpo. Ao entrar como ao sair do espaço, som e escultura continuarão para lá da nossa presença".
«O acaso e a indeterminação estão constantemente a interferir no meu trabalho».
Um dos elementos mais importantes desta obra é a atmosfera sonora criada pelo músico Pedro Moreira com marcas sonoras escultóricas. Em suma, trata-se de dois momentos da mesma instalação: uma física e outra sonora: "são duas esculturas – uma física e uma sonora", numa espécie de concerto visual, reforça um dos membros do grupo musical. O título é formado por três palavras atravessadas por uma linha horizontal que significa a negação do seu próprio sentido, acentuando a duração e assumindo enfaticamente o tempo da escultura como se nunca tivesse acabado, numa permanência em movimento de aproximação a si mesmo. Curiosamente, o risco sobre as palavras implica uma emenda, uma rasura deixando contudo neste caso ao leitor a possibilidade de saber o que existia antes dela. Isto é, não está visivelmente escondido e a sua decifração torna-se clara. O antes e depois poderá ser portanto a chave para compreender na sua totalidade a instalação idealizada pelo escultor que explica: "É uma referência a dois momentos sequenciais no tempo, senti necessidade de as rasurar, mas não de as obliterar mantendo as palavras e a rasura, elemento também gráfico, linha contínua – um gerúndio".
No espaço do anfiteatro a obra de grande porte surge suspensa como se de um corpo frágil enovelado e orgânico se tratasse que se define e desenvolve em silêncio que paira no espaço e vai descendo gradativamente num ritmo assertivo indo ao encontro das cadeiras vazias destinadas ao público. Do ponto de vista formal, os volumes aparecem delgados e esguios de um emaranhado de linhas finas e melódicas numa espécie de teia, esculpidos com pouca matéria, numa tentativa de esvaziamento do volume de uma imaterialidade conseguida. Também figuram elementos serpenteados/ondulantes num movimento de uma expressão plástica própria, onde o branco do contraplacado pintado da peça se salienta intensa e tecnicamente bem iluminada em contraste com o ambiente sombrio do palco. Na sala contígua cortada em dois espaços, habitam quatro esculturas que actuam junto às paredes numa plena interligação entre elas, como se desejassem trespassá-las onde é visualmente mais evidente o desenho das próprias notas musicais. O desenho tem um papel determinante reforçando a ideia da tentativa de recusa do volume como um contra senso da própria escultura, caracterizada por ser duma materialidade física.
"A escultura vai mudando à medida que é feita, vaza o espaço, nega o volume. Há uma distância entre o desenho preparatório duma escultura e a sua concretização. O acaso intervém sempre. Eu aceito-o, desde que não intervenha na concentração para realizar a escultura. Abrir-se ao acaso não significa que o desenho passe a ser aleatório".