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“Na sua perfeição um muro não necessita de nenhum adereço. A sua linearidade e força são substantivo.”. A memória atraiçoa-me, mas assumindo a inexatidão, retive esta imagem do arquitecto Eduardo Souto de Moura quando, numa conferência, explicava a importância que os muros assumem na sua obra, em particular na Casa das Artes. Como exemplo, o muro à entrada da Villa Adriana, Tivoli, arredores de Roma. O impacto, relata, foi tremendo.

Na Villa Adriana, muros e palácios, lagos e sombras. O fascínio pelo homem, na capacidade em imaginar e construir, é-nos, como que, revelado. É a materialização do legado do imperador Adriano e respectiva glorificação. Mas, tal como na Casa das Artes, onde é necessário cruzar o muro para entrar nos diferentes espaços, na mais recente criação de Rui Horta, Multiplex, abandona-se, identicamente, a linearidade e abraça-se a complexidade. A complexidade do ser humano, na sua grandeza, nas respectivas fragilidades e, inevitavelmente, nas suas contradições.

A partir de uma adaptação bastante livre e inédita, segundo o próprio “foi a primeira vez que assumi o desafio de encenar uma obra desta envergadura” (Memórias de Adriano de Marguerite Yourcenar), Rui Horta desfragmenta a ideia de um ser unitário. Justapõe o lado luminoso, das conquistas do Norte da Europa, Norte de África e Ásia, do hábil diplomata e arquitecto de uma nação próspera e livre, com o lado mais escuro, oprimido, onde a obstinação em contar os mortos é matraqueada, repisada vezes sem conta, em que a contagem de cada cadáver, quase unitariamente, encontra equivalente em novo território conquistado.

Cada guerra, cada chacina corresponde a estrada desenhada, mercado construído ou lei decretada. A umbicalidade do bem e do mal. A indissociabilidade dos opostos em Adriano; em cada um de nós?

Na mecânica de justaposições e entrelaçados, do claro – escuro, Rui Horta acrescenta a paixão e legado. A paixão de Adriano por Antínoo, as inseguranças, as incertezas, o ficar sem chão, desamparado. E o legado. A imagem que se quer transmitir, a posteridade, a eternidade através da obra.

Sob aparente despojamento cenográfico Pedro Gil e Silvia Bertoncelli, num exercício, também ele, aparentemente assincrónico, vão a cada momento reforçando a ideia de complexidade. O facto de Silvia Bertoncelli repetir em italiano, nalguns momentos da peça, o texto dito por Pedro Gil, obriga a um movimento de interiorização ainda mais intenso. A excelente banda sonora de Tiago Cerqueira e as projecções pontuais, no chão, de excertos do texto relembram a “necessidade de estarmos onde estamos”.

A necessidade de estarmos onde estamos, subtítulo de Multiplex. A necessidade das perguntas, de compreender e de sentir e, porque não, de nos aceitar nas ansiedades e contradições.

CCB
8 e 9 de Novembro no Pequeno Auditório
8 Nov. 21h / 9 Nov. 16h e 21h
€11 €13,50
M/16

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