Jacob van Rijs, membro fundador do estúdio holandês MVRDV, esteve na passada semana a dar uma conferência no CCB, inserida no programa Distância Crítica, da Trienal de Arquitectura de Lisboa. A Umbigo esteve numa conversa curta com o arquitecto, momentos antes de este ir conhecer a obra do arquitecto português João Luís Carrilho da Graça, em exposição neste edifício e de subir ao palco do grande auditório para, de forma descontraída, mostrar algumas das obras mais emblemáticas do seu atelier. Nesta conversa não nos focámos nas construções mostradas na conferência mas sim no papel ensaístico, reflectivo e social que o Arquitecto tem de ter sobre a Arquitectura.
A primeira questão prende-se com a vossa posição no cenário actual da Arquitectura a nível mundial. Vivendo-se uma séria crise económica na Europa, como é que um arquitecto encara as suas responsabilidades sociais? Em que medida difere o vosso trabalho consoante os diferentes contextos sócio-económicos?
Cada país é diferente: também atravessámos uma crise na Holanda, poucos anos antes também algo aconteceu na Dinamarca, penso que cada país de uma maneira ou de outra passou pelos seus tempos de dificuldade. Como arquitectos, tendemos a trabalhar onde não há crise, seguindo o rasto do dinheiro por assim dizer e correndo o risco de soar mal. Mas por norma, alguém quer fazer um projecto e chama um arquitecto, o que nos deixa dependentes de terceiros para a realização de projectos. A menos que se tenha outras intenções e capacidade de fazer projectos sem grande financiamento, aí conseguir-se-á realizar projectos mais ideológicos. Mas neste momento temos um grupo de 50/60 pessoas a trabalhar para nós, com muitas famílias envolvidas, o que nos tornou de certo modo mais preocupados com a parte de fazer negócio. Isto levou-nos a procurar trabalhar mais fora da Europa, na direcção da Ásia (China, Índia, Coreia), de modo a conseguirmos manter toda a gente na empresa. Esta escolha permitiu-nos manter uma certa estabilidade, apesar da procura do nosso trabalho na Holanda ter caído quase até ao zero absoluto. Trabalhámos noutros países, tanto dentro como fora da Europa, a bem da sustentabilidade da empresa, e agora conseguimos ver uma recuperação no mercado holandês, o que nos permitiu ter mais pessoas a trabalhar connosco.
Quanto à responsabilidade social, tentamos de certo modo fazer mais com menos meios, por vezes desenvolver projectos que noutras circunstâncias não faríamos, e por outro lado participar em discussões onde se tenta encontrar alguma razão para que as coisas se estejam a desenvolver da maneira que estão. Os trabalhos mais ideológicos acabam por só se conseguir realizar quando há oportunidades para tal. Por exemplo, quando desenvolvemos projectos na Índia, a responsabilidade social é um factor, porque mesmo que os valores monetários não sejam muito altos, as possibilidades são-nos extremamente interessantes.
Vivemos na cultura do objecto arquitectónico, e de facto os vossos edifícios marcam as cidades onde são construídos, mas vocês falam do vosso trabalho não se baseando apenas na construção de edifícios: sentem a necessidade de lançar obra escrita onde teorizam e debatem as vossas metodologias. Quais são os vossos principais focos ao longo do processo de trabalho?
Acho que sempre tentámos combinar a teoria com a prática, não ser só conceptual mas também prático. Portanto quando somos conceptuais, temos uma abordagem prática e quando somos práticos temos uma abordagem conceptual (risos).
Normalmente o vosso trabalho relaciona-se proximamente com as grandes cidades, onde a população é densa, e com a necessidade de responder aos problemas dessa realidade. Têm interesse noutros contextos, ou a vossa atenção dirige-se em exclusivo a encontrar respostas para as questões das grandes cidades?
Claro que tentamos trabalhar em locais onde possamos ir. Para nós é difícil ir a um local extremamente remoto, onde tenhamos que fazer duas escalas de avião, tendemos a preferir ter ligações aéreas directas. Na Europa por vezes trabalhamos em cidades mais pequenas, e na Holanda por vezes até em vilas. Depende sempre das circunstâncias, mas por norma há mais construções a acontecer nas cidades.
Desenvolveu projectos em Portugal...
...em Leiria, sim. Uma cidade pequena, não muito densa, sem aeroporto (risos). Lembro-me de voar até ao Porto ou Lisboa, e ficava mais ou menos a meio caminho. Mas como estava a dizer, acontece sempre mais trabalho de construção nas cidades, prestam-se sempre a um maior crescimento, portanto é para onde os arquitectos devem olhar mais. O que não quer dizer que não haja focos de interesse no campo, mas em termos de percentagem não é claramente onde temos mais trabalho. No campo podemos prestar mais atenção a alterações na paisagem e questões de planeamento, e esses aspectos são interessantes. Bem como a relação entre a possibilidade de na Europa se poder viver no campo sem deixar de ter alguma proximidade com a cidade – na Ásia as cidades são muito maiores, a cidade e o campo acabam por ser dois mundos completamente diferentes. Cá, é possível ter uma boa vida urbana e escapar facilmente para o campo, ou vice-versa, viver no campo e chegar em meia hora à cidade. É um conceito diferente de campo, bem como o contexto que o envolve. É um facto que a maior parte dos nossos projectos são urbanos, especialmente na Ásia – onde há vários grandes projectos em desenvolvimento, com arquitectos estrangeiros a apresentar visões diferentes e extremamente interessantes – mas não direi que só trabalhamos em grandes cidades, não é o caso.
Hoje em dia o conceito de “arquitectura sustentável” aparenta ser a resposta fácil e desejada em qualquer contexto e programa arquitectónicos. Tornou-se um chavão. A vossa arquitectura também o usa. No entanto, a arquitectura sempre teve que ser sustentável. Quais são as novas possibilidades, os novos desafios?
Acho que a sustentabilidade é quase um cliché, o que já a tornou quase desinteressante. Por outro lado é uma coisa boa, significa que tudo é sustentável, as regulamentações estão a tornar-se cada vez mais estritas, todos os anos surgem novas regulamentações energéticas. Umas mais estritas que outras, claro, dependendo do país em que se trabalha. Na Índia, por exemplo, não há regulamentações desse género, pelo menos por enquanto. Mas dentro destes padrões, as coisas não irão mudar muito, o que dá maior interesse à procura de outros tipos de sustentabilidade, como por exemplo a função de um edifício. Poderá ser adaptável? Poderá mudar no futuro para melhor servir utilizadores diferentes? Ou ainda a sustentabilidade social: como é que as pessoas se adaptarão ao edifício, e ele às pessoas? Isso por vezes é mais importante que a performance energética de um edifício, quão “verde” o edifício é. Deve ser mais que verde, para lá de verde, e esse é o passo seguinte.
Rem Koolhas foi uma importante figura na vossa formação enquanto arquitectos. O que é mais importante para si na figura de um mestre no acto de projectar e o que acha ser realmente importante passar para os estudantes de arquitectura quando está você no lugar de professor?
Sem duvida que ele foi importante, mas também soubemos não ficar presos à sua figura. Mas em todos os países existem essas figuras mais fortes… vocês aqui em Portugal também têm de certeza a grande figura.
Álvaro Siza Vieira…
Sim sem dúvida. Estão sempre a mencioná-lo. Mas quando damos aulas é importante não estarmos a ditar regras aos estudantes, darmos-lhes referências, exemplos, abrir-lhes mundo, mas não condicionar. O que queremos é que os alunos encontrem um caminho próprio. Se ficarem só a copiar os seus mestres o seu trabalho vai ser desinteressante e eu acho que procuro muito isso nos meus alunos, perceberem qual é a sua linguagem, o caminho eleito. Não imponho o meu caminho, até prefiro que não o escolham.
Para onde segue a Arquitectura? Precisamos de ser racionais, de encontrar respostas matemáticas, soluções inteligentes. Exigem-nos cada vez mais respostas rápidas. E neste contexto quais são actualmente as utopias na Arquitectura?
É uma pergunta de resposta difícil. Temos de estar sempre a progredir, a ler os novos desafios da vida quotidiana, a querer dar resposta às novas necessidades das pessoas. A isso temos de juntar novas tecnologias, novos materiais, as tais novas exigências energéticas, os novos desafios globais. Mas é importante existir utopia, trabalharmos sempre para encontrar soluções novas, estarmos em constante desafio para connosco mesmos. Não há uma utopia. Há a utopia de não pararmos no tempo, de termos a capacidade de ler os desafios que a sociedade impõe e o papel que a arquitectura tem para dar resposta e para criar novos problemas.