Locked in each other’s arms
Era uma vez uma menina que vivia lá em cima. Só vinha cá a baixo para comprar legumes. Ponto. Foi o que ela me gesticulou.
Escolher alguém para interpretar coragem, tinha que apontar para alguém corajoso também, mas que em vez dos demais não a sinta como um peso, posto ou pedra. A coragem é um saco de compras cheio de legumes nas mãos da Cátia. É a leveza da intensidade de nos visitar de cabeça para o ar e voltar lá acima outra vez. É a mão da equilibrista que convidei para insuflar vida na pose sofrida de Bowles. Jane de seu nome, também viveu muitos anos como equilibrista. A doença tirou-lhe liberdade, até de cair, durante a maior parte da sua vida. E o amor prendeu-a por fios. Casou com o seu melhor amigo, Paul Bowles num pacto de companheirismo com o qual viajou em 1948 até Tânger. O que se segue é fruto de grande especulação. Frequentemente sozinha, Jane procura companhia na empregada, Cherifa (aqui retratada pela sexualidade devastadora de Ana Palma). Existem duas versões; a de cá e a de lá. A que sentimos como certa e o monólogo das balas que deixamos à queima-roupa nos outros. Há quem diga que Cherifa a envenenou aos poucos, deixando para trás pêlos púbicos e sangue pelas plantas da casa. Paul tentou inúmeras vezes despedi-la, mas na sua ausência Jane aceitava-a sempre de volta. Há quem diga na terceira pessoa que Cherifa a envenenou aos poucos, outros atribuem a proximidade das duas a uma relação que antes de ser tabu já era testada pela natural invisibilidade votada às mulheres daquele país, época e tempo.
Bem sei que morremos sempre sós, mas deixamos sempre um pouco da nossa verdade por aqui. Por essa razão é que decidi que esta sessão acima de algo factual fosse nos gestos da Cátia e da Ana uma ilustração do que desejei que tivesse acontecido com Jane. Que Cherifa, apesar do abismo entre as duas a tivesse ensinado a perder o medo. Que tivesse conseguido apanhar a equilibrista no ar.
