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Sophia

"A poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso, o poema não fala de uma vida ideal mas de uma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão."

Assim era Sophia e a poesia que respirava — incomparável, sensível, sagaz, franca, bela.

Sophia de Mello Breyner Andresen marcou uma geração de poetas e a poesia portuguesa para todo o sempre. Atenta ao mundo que a rodeava, exprimia em seus poemas a sociedade e, por vezes, a política que achava opressora.

No livro Sexto sentido, lançado em 1962, Sophia, muitas vezes ironicamente, juntava religião, poder, dinheiro, opressão e hipocrisia: "… Porque cheira a pobre e cheira/ A roupa/ Que depois do suor não foi lavada./ Porque não tinham outra/ "Ganharás o pão com o suor do teu rosto"/ Assim nos foi imposto/ E não:/ "Com o suor dos outros ganharás o pão"/ Ó vendilhões do templo/ Ó construtores/ Das grandes estátuas balofas e pesadas/ Ó cheios de devoção e de proveito/ Perdoai-lhes Senhor/ Porque eles sabem o que fazem."

Neste poema, a poeta denuncia o dinheiro sujo ganho com o suor do povo citando uma frase bíblica de Jesus Cristo retirando o "não" da célebre frase e mostrando que "eles sabem o que fazem" — dando ênfase à hipocrisia dos líderes do mundo junto das pessoas comuns.

Por outro lado, Sophia, na sua obra, mostrou que o exílio era uma forma de viver. E é uma das principais temáticas da sua poesia.

A sua casa de infância e a praia nortenha da Granja são dois dos sítios em que Sophia procurava viver longe dos homens e junto das palavras. Nascida no Porto, mudou-se para Lisboa e casou-se com o jornalista e advogado Francisco Sousa Tavares. Mesmo que fale de Lisboa com emoção, como podemos ler no poema como o mesmo nome: "… Lisboa com seu nome de ser e de não-ser/ Com seus meandros de espanto, insónia e lata/ E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro/ Seu conivente sorrir de intriga e máscara/ Enquanto o largo mar a Ocidente se dilate/ Lisboa oscilando como uma grande barca/ Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência/ Digo o nome da cidade/ — Digo para ver", a poeta repelia por vezes as cidades e os muros nos seus poemas.

"Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas/ Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,/ Saber que existe o mar e as praias nuas,/ Montanhas sem nome e planícies mais vastas/ Que o mais vasto desejo,/ E eu estou em ti fechada e apenas vejo/ Os muros e as paredes, e não vejo/ Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas./ Saber que tomas em ti a minha vida/ E que arrastas pela sombra das paredes/ A minha alma que fora prometida/ Às ondas brancas e às florestas verdes."

A obra de Sophia é infinda. Podemos ver o seu busto, em estátua, no antigo miradouro da Graça, em Lisboa, agora com o seu nome em homenagem — Miradouro Sophia de Mello Breyner.

Aqui, a poeta escreveu muito dos seus poemas.

Sophia deixou-nos a 2 de Julho de 2004, mas nunca os seus sonhos e palavras se desvanecerão.

"Apesar das ruínas e da morte,

Onde sempre acabou cada ilusão,

A força dos meus sonhos é tão forte,

Que de tudo renasce a exaltação

E nunca as minhas mãos ficam vazias."

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