"If you love, you are free"
Foi a sessão menos conseguida. Disse-o à Katharina assim que saímos do estúdio, a culpada do meu nervosismo. Soará a algo parolo ou lamechas e talvez um pouco deslocado porque poucos conhecerão uma banda alemã chamada Rainbirds, que a Katharina encabeça desde 1986. A par de Nina Hagen e Klaus Nomi, foi uma das minhas primeiras referências musicais. No Verão de 1994 surge o In a Differente Light em minha casa. Passava tardes inteiras a fazer lip sync ao som de uma paisagem verdadeiramente cinematográfica: para além de uma cover do In Heaven (Eraserhead, made in Lynch), foi a primeira vez que ouvi Pessoa. Não ouvir falar, mas ouvir as palavras, num português irrepreensível (Katharina passou parte da sua adolescência em Portugal) com o peso e o talento de uma grande contadora de histórias. Este foi o trabalho nas palavras da mesma “mais negro e difícil”, mas para mim o melhor e que serviu de banda sonora a muitas horas de estudo, desenho, solidão e dança com a minha irmã mais nova.
Face a este peso, a câmara não disparava. Era a primeira vez que conhecia a Katharina; vive na Alemanha mas dá sempre um salto a Portugal no Verão para visitar familiares e amigos. Já tínhamos falado virtualmente, mas ouvi-la falar português foi das coisas mais deliciosas que me aconteceu nos últimos tempos. Isso, e observar que a passagem dos anos por aquele rosto expressivo nada tinha mudado.
O meu trabalho naquela manhã era fotografar a Katharina como Diane diPrima. Era importante e é importante homenagear Diane; como tenho dito, se este livro fizesse dinheiro, enviá-lo-ia todo para ela que luta contra a falha do seu próprio corpo. Para a Diane, das poetisas mais intensas que alguma vez li (trouxe-me Lilith of Stars através dos seus sussurros escritos), só poderia corresponder uma voz, a da Katharina que em sintonia aceitou de imediato o desafio como fã da sua poesia, já tendo trabalhado também com a de Joan Bowles. Lembrei-me do poema The Window, o elo de ligação entre Rainbirds e a autora de uma das obras mais fascinantes da poesia contemporânea. O amor como uma ave, a palavra como raíz e o silêncio como asa. Resultou numa simbiose simples. Um encontro de duas mulheres extraordinárias através de um poema. Houvesse mais encontros destes.
Sempre sonhei que se tivesse uma voz para cantar, teria que ser como a da Katharina; límpida e forte. Longínqua; são desertos e oceanos que não conseguimos bem calcular onde acabam mas que crescem de forma congénita. E por isso o meu amor; e o por isso o meu agradecimento pelas asas que ajudaste a crescer ao longo dos anos.