Fotografia: Fedra Espiga Pinto.
Perante o cenário dantesco que se vive em Portugal com um maior agravamento na Madeira – uma ilha pela qual temos um especial carinho e à qual dedicámos uma edição especial da Umbigo em março deste ano – queremos aqui prestar a nossa homenagem aos bombeiros que têm sido absolutamente incríveis no combate a este inferno que não para de se alastrar por todo o país. A eles o nosso obrigado pela força e inesgotável persistência. Queremos também apelar à justiça e aos legisladores que tomem medidas eficazes para que estas pessoas que sofrem de graves distúrbios mentais não voltem a criar situações catastróficas.
Aqui deixamos o testemunho de Natacha Gonçalves, a DJ que apoiou o lançamento da Umbigo no Funchal em abril deste ano:
Obrigada a todos os meus amigos e familiares pela demonstração de apoio, preocupação e solidariedade. Foram momentos de terror, de muita tristeza, desnorte e impotência. Eram 19h e tive que fugir de casa levando apenas a roupa que tinha vestida e o meu querido cão após ter tentado humedecer o meu jardim e casas vizinhas com uma inócua mangueira.
O ar estava irrespirável e surgiam chamas de diferentes lados. Pelo caminho assisti a esforços conjuntos, voluntariosos e heróicos de civis a ajudar pessoas que já tinham perdido as suas casas, ao mesmo tempo que tentavam combater as chamas e evitar que se propagassem de forma selvagem e errática. Houve um momento em que umas pessoas me acolheram no corredor de um prédio e assisti ao desespero aterrador de um rapaz que tinha salvo a avó e o seu cão mas não tinha conseguido salvar a tia que foi horrivelmente consumida pelas chamas juntamente com a casa e o carro, tinha cruelmente perdido tudo.
Senti uma urgência em saber da minha família, o pânico e a tristeza incomensurável já percorria a minha pele e consegui finalmente reunir-me no centro do Funchal com a minha amada mãe e minha querida prima Elsa Vieira de Freitas à qual agradeço profundamente o apoio e guarida. Ficámos junto ao mar e mesmo aí o ar estava irrespirável. À medida que as horas iam passando a cidade foi desaparecendo sob um fumo denso, negro e tóxico, enquanto que as elevadas temperaturas e ventos fortes faziam-nos pensar que a haver inferno, seria certamente assim.
Entre as labaredas dantescas, ouviam-se explosões de tempos a tempos e as constantes sirenes dos bombeiros, polícia, ambulâncias e INEM aumentavam o pavor de que o nosso lindo e histórico Funchal pudesse desaparecer em frente aos nossos comovidos olhos. Foi tão desesperante não saber se a nossa casa se tinha safado, principalmente por lá ter os meus gatinhos que não tinha conseguido trazer, o meu coração estava esmagado. Nestas alturas apercebemos-nos do quão pequeninos e indefesos somos perante a grandeza avassaladora dos fenómenos da Natureza, como também em momentos de tragédia o ser humano consegue ser nobre e solidário, contando apenas e somente a preservação da vida.
A incerteza acompanhou-nos pela madrugada dentro até ter notícias de que era possível transitar na Pena e visitar a minha casa que por milagre estava intacta, como também todos os meus gatinhos, apesar do mar de cinzas pretas e ar irrespirável, não sendo possível lá permanecer. Agradeço igualmente ao meu querido cunhado Duarte Nuno Gama Sousa e o seu amigo por terem vindo ao nosso auxílio pela noite dentro e me terem acompanhado até à minha residência para recolher os medicamentos da minha mãe.
Pouco dormi, continuo com receio de que as chamas retornem e escrever este testemunho foi o único alento que encontrei para acalmar a minha alma dorida. Se realmente esta tragédia foi causada por um pirómano reincidente, interrogo-me como é possível que esse criminoso doente não estivesse internado numa psiquiatria, como é que estava livre para voltar a atear este fogo insano. Incompreensível e revoltante.