1. With the Absolut Heart of the Poem of Life
É difícil explicar o começo deste projecto. A única razão para explicar a teimosia de o fazer é a mesma de sempre: porque precisa de ser feito e porque posso morrer amanhã. Carpe diem’s doentios que nos relembram a valorização que damos às coisas a meio de tempos mortos. Algures em 2004, um grupo de escritores salvaram uma adolescente de um colapso nervoso a milhares de km de casa. “Read this girl. You need some saving through reading. Jack was a pisces too, you know? Take this and some famous charts; it’s on the house”, isto mal tinha aberto a boca num alfarrabista perdido em Jackson, Tennessee.
Como em tantas outras histórias, não somos nós que escolhemos a companhia, ela é que nos identifica. Mais recentemente o último impulso foi dado por uma péssima adaptação do On the Road de Salles. Parece que os beatniks estão de novo na moda mas a mensagem que chega é sempre pouco mais pobre que os seus vícios, clichés deformantes e algumas referências estereotipadas de quem não se compromete muito a desvendar o outro. Neste sentido, foi sendo alimentada a ideia de que era necessário levar a cabo um projecto sobre os seus momentos de luz, de beatificação e de colapso.
Muitas das personagens que decidi retratar conhecem bem esse colapso; parte da amostra que vos falo, retirando Kerouac, Ginsberg, Burroughs, Solomon ou Carr ser-vos-á completamente desconhecida. Não pela inferioridade da sua obra, mas pelo que valorizaram, pelo que são e continuam a ser ou pela velocidade com que galgaram a sua existência. Nestes incluo Vickie Russell, Elise Cowen ou Joan Bowles. Não porque a sua obra e influência fique atrás dos contactos sociais que mantiveram com os principais ícones do movimento Beatnik, mas porque por mais rebeldes que estas fossem, nos anos 50 eram apenas e ainda somente mulheres. Para além destes foram resgatados Amiri Baraka, Tom Waits, Gregory Corso e Kirby Doyle.
A primeira ideia para este projecto tinha partido de um desafio feito por David Costa; repetir uma sessão fotográfica que não tinha corrido bem no Great American Disaster. Cansada de pin-ups, pensei numa orgia Beatnik. No entanto, a obsessão ganhou espaço; a vida destes escritores foi-me tomando outra vez os dias e juntá-los todos num plano americano pareceu-me redutor e previsível. Assim comecei a pensar noutra forma de reinventar a sua vida e obra, através de um conjunto de sessões a preto e branco.
Numa primeira fase do projecto foram colocados anúncios para requisitar voluntários com parecenças físicas às dos escritores a serem retratados, mas com a entrada da actriz Marta Melro no projecto, comecei a pensar que o mesmo merecia uma abordagem diferente e que não perderia nada em contactar vários artistas que admiro. Foi elaborado para cada modelo uma carta astral sendo posteriormente escolhida a personagem que iria desempenhar a partir desta informação. De acordo com a mesma foi feita uma ponte entre as duas entidades; desta forma, cada sessão resultou numa simbiose jungiana entre persona e personagem. Se por vezes essa informação é aproveitada de uma forma vampiresca (transparente para o olhar e coração do espectador atento), noutras surgem contratransferências mais subtis, da palavra não dita e do episódio não documentado. With the Absolute heart of the Poem of Life é em si mesma uma opção de homenagear holísticamente e de coração aberto a vida destes Rimbauds do século XX. Somewhere along the way, the pearl was handed to them.