NOTAS SOLTAS

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Separado, solitário, isolado. Só. Este é o nome do único livro editado por António Nobre em vida. Esta é também a obra mais triste de Portugal, segundo o autor; mas porquê? O que está por detrás de uma palavra com apenas duas letras, uma sílaba, mas com tamanho poder? Ao longo do livro, o autor foca-se na solidão, na falta de afecto, de carinho, e são várias as referências à despedida, à morte e ao próprio acto de sepultamento. Assim se consegue caracterizar o estado do poeta, nesse momento exilado na "banal Paris, embirrenta de civilização", conforme escreveu, como cabisbaixa, saudosista e fatalista.

Por outro lado, temos de dissociar a cidade do autor e focar-nos no seu estado de alma; anos antes da primeira edição do livro, Nobre escreveu: "Sinto-me um infinito desânimo de vida e sinto-me só, só, só".

Várias são as teorias que tentam explicar o título do livro; Câmara Reis defendeu que a adopção do título se deve a um verso de Antero de Quental ("Só, ao eremita…") e Alberto de Serpa defendeu que o título do livro de Edmond Haraucourt – Seul – serviu de inspiração. A verdade é que nada disto interessa se não nos focarmos no conteúdo riquíssimo de , que tornou António Nobre num dos maiores poetas de Portugal com um único livro publicado em vida.

António Pereira Nobre; assim era o nome completo do poeta nascido no ano de 1867 num prédio da Rua de Santa Catarina, no Porto, pelas 5 horas da manhã. No primeiro poema do livro, escreve sobre o seu nascimento e sobre a sua obra, dedicando-o a seus pais: "…Tempos depois, por uma certa lua-nova,/ Nasci eu… O velhinho cá ficou,/Mas ela disse: ― "Vou, ali adiante à Cova,/António, e volto já…" ― e ainda não voltou!/António é vosso. Tomai lá a vossa obra!/ "Só" é o poeta-nato, o lua, o santo, a cobra./Trouxe-o dum ventre: não fiz mais do que o escrever…/Lede-o e verei surgir do poente havidas mágoas,/Como quem vê o Sol sumir-se, pelas águas,/E sobe aos alcantis para o tornar a ver."

Fazendo jus ao seu nome, Nobre era descendente de uma família abastada; com oito irmãos, foi criado no Norte, onde estudou em colégios de renome. Ao longo do livro, o poeta retrata parte da sua infância com saudade; a casa de sua família, no Seixo, é mencionada nos seus poemas, assim como as suas férias de praia em Leça da Palmeira: "Ó rio Doce! Túnel d’água e de arvoredo!/Por onde Anto vogava em vagão dum bote…/E, ao sol do meio-dia, os banhos em pelote/…"

A vocação do escritor manifestou-se aos catorze anos, com o seu primeiro poema escrito datado de 20 de Maio de 1882. Até à sua morte, 18 de Março de 1888, quando foi vítima da tuberculose, Nobre escreveu de forma nostálgica, triste e saudosista, mas também com uma pitada de ironia. Quem lê  pode, erroneamente, pensar que alguns poemas falam já de sua doença; no entanto, só foi diagnosticada depois do lançamento da primeira edição. A verdade é que ao longo do livro as saudades e a vontade de voltar ao passado são grandes, principalmente quando se referia "à sua terra" quando vivia em Paris: "Vai em seis meses que deixei a minha terra/E tu ficaste lá, metida numa serra,/ Bem velhinha! que eras mais uma criança./Mas tão longe de ti, neste País de França,/Onde mal viste, então, que eu viesse parar,/Vejo-te, quanta vez! por esta sala a andar./Bates. Entreabres de mansinho a minha porta./Virás tratar de mim, ainda depois de morta?".

Apesar de só ter tido uma obra publicada em vida,  tornou-se um marco da poesia portuguesa; outros livros de António Nobre foram editados depois de sua morte, como Despedidas e Correspondência, mas este é, sem dúvida, o que mais caracteriza o poeta.

Podemos encontrar este livro na livraria online Wook pela quantia de 5,94 euros e em outras livrarias do país.

Só

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