Lisboa é conhecida por ser uma cidade de poetas. Aqui, nasceram e morreram muitos dos poetas que agora dão nome a praças, ruas e ruelas e que fazem das suas antigas casas e hábitos citadinos passagem e estudo obrigatórios para os amantes de poesia.
O que têm em comum Fernando Pessoa, Alexandre O’Neill, Luiz Vaz de Camões, Sophia de Mello Breyner, Ary dos Santos, Mário de Sá Carneiro (etc.), para além de serem os maiores poetas da língua portuguesa? Lisboa. Todos viveram a maior parte de suas vidas nesta cidade.
Uma estátua de Fernando Pessoa em pleno Chiado, outra de António Ribeiro, e daqui ainda se avista uma estátua de Camões, na praça que lhe deu memória. Passeamos por Lisboa e conseguimos ler nas fachadas dos prédios «Aqui viveu o poeta… ». Será apenas coincidência geográfica, ou Lisboa influenciou e influencia a escrita poética?
A poesia portuguesa esteve sempre ligada aos movimentos artísticos, literários e filosóficos que Portugal viveu. Principalmente na época da Revolução dos Cravos, de 1974, a poesia deu voz a muitas canções que o povo sabia de cor, como, por exemplo, as de Ary dos Santos, chamado "o poeta da revolução". No poema A cidade, para além da forte componente revolucionária, podemos ver o seu amor pela cidade que o viu crescer: "… A cidade tem praças de palavras abertas/ como estátuas mandadas apear./ A cidade tem ruas de palavras desertas/ como jardins mandados arrancar./ A palavra sarcasmo é uma rosa rubra./ A palavra silêncio é uma rosa chá./ Não há céu de palavras que a cidade não cubra/ não há rua de sons que a palavra não corra/ à procura da sombra de uma luz que não há."
Fernando Pessoa, um dos poetas portugueses mais conhecidos, descreveu, exaustivamente, Lisboa nos seus poemas. A cor de suas casas, do céu, as paisagens e principalmente o Tejo que o podia levar e elevar... como podemos ler neste excerto: "Pelo Tejo vai-se para o Mundo/ Para além do Tejo há a América/ E a fortuna daqueles que a encontram./ Ninguém nunca pensou no que há para além/ Do rio da minha aldeia."
Sophia de Mello Breyner, embora nascida no Porto, viveu a maior parte de sua vida em Lisboa. Aqui, deu novo nome ao antigo Miradouro da Graça, sendo agora denominado Miradouro Sophia de Mello Breyner Andresen. Era aqui que muitas das vezes escrevia os seus poemas alusivos a esta cidade. "Ao virar da esquina de súbito avistamos/ Irisado o Tejo:/ Então se tornam/
Leve o nosso corpo e a alma alada."
Também Catarina de Almeida Nunes, poetisa contemporânea nascida em Lisboa em 1982, escreveu num texto de auto-apresentação: "Nasci numa manhã de Agosto, em Lisboa, naquele bairro íngreme a que chamam Costa do Castelo. O ter nascido ao lado de um castelo apura sempre o seu lado mais épico das pessoas ― e assim, desde pequenina, fui encarnando convictamente Penélopes, Ariadnes, Joanas d’Arcques, Donas Inêses de Castro. Faço questão de ter dias livres para encarnar os meus mitos femininos e levar à letra as histórias que me liam na infância." A autora salienta ainda que seus avós e vizinhos lhe liam poesia desde tenra idade.
Ao falarmos de Lisboa não esquecemos nunca o fado (ícone desta cidade), que não é mais do que poesia cantada. Foi com o fado que muitos dos poetas populares, em meados dos anos 20, como Carlos Conde, João Mata e Henrique Rego, ficaram conhecidos. A partir dos anos 50, alguns poemas eruditos começaram a ser cantados. Foi nesta época, e com o contributo do compositor Alain Oulman, que Amália Rodrigues cantou poetas como Alexandre O'Neill. "Se uma gaivota viesse/ Trazer-me o céu de Lisboa/ No desenho que fizesse,/ Nesse céu onde o olhar É uma asa que não voa,/ Esmorece e cai no mar./ Que perfeito coração/ No meu peito bateria,/ Meu amor na tua mão,/ Nessa mão onde cabia Perfeito o meu coração. ..."
A melancolia do entardecer de Lisboa e o azul-violeta do seu acordar fazem com que esta cidade inspire tanto a gente que nela vive como visitantes de todo o mundo.
Talvez sejamos todos poetas.
Talvez só precisamos de uma janela virada para o Tejo para nos inspirar.