2014 foi, sem dúvida, um ano próspero para o cinema. Encontramos filmes que contam histórias translúcidas, cristalinas e sem clichés. Filmes que não se baseiam no seu orçamento, nos efeitos visuais, nos cenários e apenas no nome dos actores. O que é apresentado em seguida é um top 10 dos melhores filmes que estrearam em Portugal em 2014, mas poderia bem ser um top 15 ou 20, pela qualidade cinematográfica a que fomos presenteados ao longo deste ano.
1# Ida
Uma produção cinematográfica monocromática é sempre um regalo para os nossos olhos, pela profundidade que nos oferece nos planos e pela estética em si. O polaco Pawel Pawlikowski criou uma obra-prima centrada na ditadura de Estaline (mais concretamente, no ano de 1961) e também nas consequências que a IIª Guerra Mundial trouxe, principalmente, para os polacos. Foram necessários apenas alguns planos (soberbos, diga-se de passagem) que mostram os rituais das freiras dos anos 60, para ser estabelecida a rotina diária da protagonista, Anna (Agata Trzebuchowska), uma jovem órfã que foi criada num convento majestoso e que se prepara para fazer os seus votos de castidade. Mas, antes, terá que passar uns tempos com a sua única familiar viva, Wanda, uma mulher comunista que revela a Anna que o seu verdadeiro nome é Ida e que os seus pais eram judeus. E é sob esta revelação que o realizador polaco nos embala numa viagem alucinante e grandiosa que aborda uma história de identidade, família e socialismo e que escava as verdades obscuras do Holocausto, através de um estilo de produção simples, objectivo e magnificente. Ida foi consagrado como o filme europeu de 2014, pelo European Movie Awards.
Realizador: Pawel Pawlikowski
Actores: Agata Tulesza, Agata Trzebchowska, Jerzy Trela
2# Apenas Os Amantes Sobrevivem (Only Lovers Left Alive)
Um dos filmes do ano de 2014 é sobre vampiros, mas não passa por uma história vampiresca, mas sim de amor eterno entre dois sugadores de sangue com séculos de idade. Adam (Tom Hiddleston) é um vampiro deprimido que nutre uma adoração maior por guitarras e por música rock do que por sangue. O protagonista e a sua mulher, Eve (Tilda Swinton) são dois imortais que mantêm um amor incondicional um pelo outro, mesmo vivendo a quilómetros de distância. Percebemos isso quando Eve retorna ao apartamento de Adam, em Detroit – cidade que, neste filme, é despovoada e decadente – e vemos um casal imortal a ouvir discos de vinil como se não houvesse amanhã e a amar-se despreocupadamente. O pioneiro do cinema indie americano, Jim Jarmusch, trouxe a este drama uma visão nocturna sobre duas pessoas com personalidades diferentes, viciados em cultura. Pode-se até dizer que este filme é uma lufada de ar fresco pela intelectualidade que emana, abordando questões como a física de Einstein e a sociedade atual de “zombies” em que vivemos. Apenas Os Amantes Sobrevivem não tem precedentes e torna os filmes sobre vampiros redundantes.
Realizador: Jim Jarmusch
Actores: Tilda Swinton, Tom Hiddleston, Mia Wasikowska
3# Dois Dias Uma Noite (Deux Jours Une Nuit)
As questões sociais voltam a aparecer como tema central nos filmes dos irmãos Dardenne. Em Dois Dias Uma Noite, tal como em O miúdo da Bicicleta, os realizadores optaram por escolher uma actriz de renome e já detentora de um Óscar, para encarnar o papel de Sandra. Até poderíamos ter receio de que o talento de Marion Cotillard ofuscasse a história dos Dardenne mas, como é já habitual, a actriz surpreende pela sua capacidade de metamorfose física em pessoas totalmente diferentes nos papéis que desempenha. Neste drama, Sandra, uma mulher frágil, mostra na perfeição como as necessidades financeiras são capazes de a tornar numa pessoa resistente, obrigando-a a travar uma batalha em apenas dois dias e uma noite (tal como o título do filme indica). Batalha esta que consiste em convencer todos os seus colegas de trabalho a abdicarem de um bónus salarial, em troca da protagonista conseguir manter o seu emprego na fábrica em que trabalha, algo difícil. Os irmãos Dardenne escolheram um tema actual para retratar a vida de uma mulher que vai ter que lutar pela sua sobrevivência. A forma nua e crua de fazer este retrato social fez com que fosse galardoado com 15 prémios cinematográficos, incluindo o de melhor filme estrangeiro e o de melhor actriz, até ao momento.
Realizadores: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
Actores: Marion Cotillard, Fabrizio Rongione, Catherine Salée
4# Debaixo da Pele (Under the Skin)
Basta ver o início deste filme para percebermos que nos encontramos perante uma obra-prima, que em muito faz lembrar os filmes de Kubrick, pelas cenas que são mais do que um desafio sensorial e intelectual para as nossas mentes. A história que o realizador britânico Jonathan Glazer produziu é acerca de uma extraterrestre predadora e voluptuosa, interpretada por Scarlett Johansson, que é enviada à Terra com o intuito de devorar homens. É nas ruas da Escócia que a femme fatale escolhe as suas presas. Agora, a forma como ela as mata é que nos leva a outra dimensão cinematográfica, muito diferente dos trhillers e ficções-científicas a que estamos habituados: são absorvidos por um líquido preto (que está no chão) e permanecem nesse local até a sua carne ser, quase como, mastigada. Este filme tem a capacidade de tirar o fôlego a qualquer um, quer pela frieza que a extraterrestre nutre pelas suas presas, na maior parte do tempo, quer pela forma como todo ele foi feito, repleto de cores frias e escuras e acompanhado, sempre, por uma banda sonora que nos dá calafrios.
Realizador: Jonathan Glazer
Actores: Scarlett Johansson, Jeremy McWilliams, Lynsey Taylor Mackay
5# Grand Budapest Hotel
Este é um daqueles filmes que se adora ou se odeia, não há cá meio-termo. Ou se adora pela beleza estética que o realizador Wes Anderson carregou esta comédia, ou se odeia pelo humor britânico visível do início ao fim, que pode não agradar a todos. Independentemente de gostos, o realizador conseguiu trazer para Grand Budapest Hotel os filmes de Hollywood dos anos 30, que eram passados várias vezes na Varsóvia (Polónia) ou em Praga (República Checa), mas este tem um toque de elegância que não passa despercebido. O sedutor e charmoso Gustave H. (Ralph Fiennes) é o concierge de um hotel monumental, cor-de-rosa e luxuoso na irreal República de Zubrowka e tudo corre bem, até ao dia em que a sua amante morre – Madame Céline Villeneuve Desgoffe und Taxis, de 84 anos - e um quadro é roubado. Acusado de homicídio e roubo, Gustave H. vai tentar provar a sua inocência com a ajuda do seu lobby boy, Zero (Tony Revolori), que se torna o braço direito do concierge. Anderson criou uma história dentro de várias histórias, através de flashbacks, que dão graciosidade e até um certo tipo de espiritualidade a esta comédia, carregada de actores pesados.
Realizador: Wes Anderson
Actores: Ralph Fiennes, Mathieu Amalric, F. Murray Abraham, Adrien Brody, Jude Law, Willem Dafoe, Edward Norton.
6# Nebraska
A dinâmica familiar e as viagens pela estrada fora voltam a aparecer nos ecrãs de cinema, numa obra de Alexander Payne, que nos familiarizou tão bem com estes temas, em As Confissões de Schmidt e Sideways – Entre umas e outras coisas. Num cinema a preto e branco, que reclama uma melancolia existencial, Payne faz-nos recordar os tempos antigos de Hollywood, num filme que conta a história do velho Woody Grant (Bruce Dern), que ficou convencido de que tinha ganho um milhão de dólares (porque recebeu no correio essa informação falsa, como se percebe logo) e parte numa viagem pela estrada fora até Lincoln, Nebraska. O seu filho David (Will Forte) oferece-se para ir com Woody, de modo a fortalecerem a ligação afectiva entre eles. Com uma estrutura pouco sentimental – já habitual nos filmes de Payne – Nebraska foca-se numa relação pai-filho alicerçada numa aventura que vai fazer com que David conheça Woody como um homem que teve uma vida vivida e um amor complicado e não como o Woody que é pai dele. Um drama que aborda as decepções que estão inerentes à própria existência humana e à importância dos sonhos, mesmo sendo descabidos.
Realizador: Alexander Payne
Actores: Bruce Dern, Will Forte, June Squibb, Stacy Keach
7# Ruína Azul (Blue Ruin)
É com um thriller inteligente e sangrento que Jeremy Saulnier nos saúda em 2014. Blue Ruin conta a história de Dwight (Macon Blair), um homem de meia-idade que perdeu os pais num homicídio trágico e que, desde então, é um vagabundo que vive num Pontiac numa praia de Delaware (EUA). O clímax deste filme começa quando Dwight sabe que o assassino dos pais vai ser libertado da prisão e, com esta informação, nasce uma sede de vingança violenta no protagonista. Saulnier nunca escondeu a sua adoração por violência e já nos tinha mostrado tal facto em 2007, com o filme Murder Party e agora trouxe uma visão fascinante sobre o homem que quer vingar a morte dos pais, mas que não é o típico herói dos filmes de vingança de Hollywood, que não deixa rastos nem vestígios de rigorosamente nada. Pelo contrário. Numa dada altura, Dwight consegue arranjar uma arma e, no preciso momento em que lhe ia dar uso, esta estava bloqueada. Este tipo de peripécias poderia fazer rir muitos espectadores, mas Saulnier não deixa que isso aconteça porque, logo a seguir, traz-nos mais acção e mais sangue e mais adrenalina. Blue Ruin foi consagrado com seis prémios de cinema, entre eles um lugar no Top 10 filmes independentes, pela National Board of Review.
Realizador: Jeremy Saulnier
Actores: Macon Blair, Devin Ratray, Amy Hargreaves, Kevin Kolack
8# Em Parte Incerta (Gone Girl)
Se existe palavra que possa caracterizar Em Parte Incerta, a ideal é: ma-ca-bra. Eis que nos surge um thriller alucinante (baseado no livro de Gillian Flynn) que aborda o desaparecimento de Amy (Rosamund Pike) e todos os acontecimentos que levam a que o seu marido Nick (Ben Affleck) seja indiciado como o principal suspeito da sua ausência e, até mesmo, da sua morte. Este filme prende-nos ao ecrã, porque entramos num combate incessante para perceber se o desorientado Nick é ou não o autor deste crime, através dos vários plot twists que David Fincher decide utilizar neste thriller. Algo a que o realizador já nos habituou em Clube de Luta e Seven. E Nick passa de besta a bestial e vice-versa à velocidade da luz, e é neste jogo de atribuir culpas a alguém que vamos tentando perceber o que realmente se passou no dia em que Amy e Nick faziam cinco anos de casados. A Comunicação Social e o diário de Amy apontam Nick como o potencial assassino da menina mais querida da América. O protagonista jura que não, tal como seria de esperar. Este é um dos trhillers do ano por ser desconcertante, sofisticado e, ao mesmo tempo, uma lufada de ar fresco nas histórias sobre casamentos e esforços diários próprios destas uniões matrimoniais.
Realizador: David Fincher
Actores: Ben Affleck, Rosamund Pike, Neil Patrick Harris.
9# Mapas Para as Estrelas (Maps to the stars)
O canadiano David Cronenberg conseguiu pegar num local de sonhos, Hollywood, e fazer um filme que apela ao pesadelo que esta indústria cinematográfica pode causar. Mapa para as Estrelas é uma sátira, escrita pelo novelista Bruce Wagner, que se baseou, parcialmente, na sua experiência enquanto motorista de uma limusina nos anos 70 em Beverly Hills. O filme fala sobre os sonhos dos que não conseguem singrar no mundo da representação, apelando ao podre e à falta de carácter e moral das pessoas. Esta comédia segue o caminho de uma família desequilibrada e assombrada pelo seu passado, composta por Cristina (Olivia Williams), esposa de Stafford Weiss (John Cusack), que é pai de Benjie (Evan Bird) e de Agatha (Mia Wasikowska). De um lado, temos Benjie, de 13 anos, que é uma estrela de cinema e já frequenta clínicas de reabilitação. Do outro, temos Havannah (Julianne Moore), uma mulher que já sente que a idade começa a pesar nos seus ombros e a pode impossibilitar de ter papéis importantes, como a sua mãe tinha. Agatha torna-se a assistente de Havannah e passa a viver os episódios neuróticos da mulher de meia-idade, interpretada com credibilidade pela versátil Julianne Moore. Dentro do humor negro com que este filme está carregado, esconde-se um puro horror sobre personagens neuróticos e incestuosamente ligados entre todos.
Realizador: David Cronenberg
Actores: Julianne Moore, John Cusack, Mia Wasikowska, Evan Bird, Olivia Williams.
10# Locke
Tal como outros realizadores, Steven Knight provou que um baixo orçamento não é sinónimo de vulgaridade. Pelo contrário. Eis que chega um filme independente que retrata uma noite fatídica para Ivan Locke (Tom Hardy), um engenheiro civil que deixa a sua vida em Birmingham para viajar sozinho de carro até Croydon (Londres), com o intuito de acompanhar a mulher que vai dar à luz um filho seu. Locke é um homem controlador, que quer fugir das pegadas do seu falecido pai. Em apenas 90 minutos, o protagonista perde a sua mulher e o emprego, através de telefonemas. O realizador, ao contar a história coincidindo o tempo da acção com a duração do filme, criou um ambiente minimalista e dinâmico sobre o homem que traiu a esposa e que deixou um projecto importantíssimo para trás, apenas para ser politicamente correcto com a mulher que engravidou. Filmado em apenas duas semanas num carro, é-nos presenteado o excelente Tom Hardy a conduzir um BMW, enquanto atende telefonemas tão importantes como o assunto que o leva a viajar durante uma hora e meia. Steven Knight conseguiu juntar tudo o que se espera num bom filme: um rosto, uma mentira e uma viagem no obscuro.
Realizador: Steven Knight
Actores: Tom Hardy, Olivia Colman, Ruth Wilson, Andrew Scott
Mais filmes de 2014 que o podem prender ao ecrã:
Boyhood
Sr. Turner (Mr. Turner)
Cavalo Dinheiro
O Ciúme (La jalousie)
12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave)
Calvary
O Chef (Chef)
The Best Babadook
Ninfomaníaca (Nynphomaniac)
Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club)
O Abutre (Nightcrawler)
Citizenfour
Interstelar (Interstellar)
Jersey Boys: Em Busca da Música (Jersey Boys)
Vocês ainda não viram nada (Vous n'avez encore rien vu)
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho