Fotografias: António Néu.
Após o Madeiradig, de 09 a 12 de Dezembro, entrou em cena o MMIFF (Madeira Micro International Film Festival) e o público passou de músicos e melómanos a realizadores e entusiastas do cinema. A acção decorreu mais uma vez na pitoresca vila de Ponta do Sol entre a Estalagem com o mesmo nome, o cinema Art Déco situado na ponta da vila e o Centro Cultural John dos Passos.
Um festival inusitado dado o seu carácter programático, localização e actividades paralelas. Os intervenientes Nuno Barcelos (Estalagem Ponta do Sol) e Michael Rosen (Digital in Berlin) organizaram esta quarta edição, mais uma vez com o objectivo de levar o cinema de autor a um lugar privilegiado onde acontece tudo o que por norma tem lugar nas grandes cidades: da exibição de filmes às masterclasses a terminar nas festas after-filmes. No meio do público inerente a este tipo de festival encontramos em todas as sessões o excêntrico madeirense proprietário do cinema Art Déco que gentilmente o cede anualmente.
Dos filmes que vimos, destacamos a grande premiére de AAAAAAAAH!, um filme do inglês Steve Oram realizado sem qualquer apoio financeiro. Imaginem uma versão de Feios Porcos e Maus protagonizada por humanos que se comportam como macacos. Um série Z do cinema, uma comédia negra e irónica acerca do comportamento humano. Ou será antes um puro devaneio? Encontrámos um pouco de ambos. Escatológico e sexual q.b, o filme desenvolve-se numa paródia entre o reino dos macacos e dos humanos. Afinal comportar-nos-emos de uma forma animal? Steve Oram contou-nos que para fazer o filme pensou na semelhança entre as pessoas e os macacos, que "são aliás muito semelhantes", contou entre risos.
Dentro de um outro género de filme, aplaudimos Virgin Mountain do islandês Dagur Kari. Fusí, o protagonista, aos 43 anos ainda vive com a mãe. Apercebemos-nos da sua ingenuidade ao longo de todo o filme pois embora viva uma vida de adulto Fusí não amadureceu emocionalmente. No emprego sofre represálias por parte dos colegas embora o seu lado pacífico faça com que não reaja às agressões frequentes. Um filme poético e humano, sem nunca resvalar para a emoção fácil, num equilíbrio muito bem conseguido. Acompanhamos a passagem do nosso herói Fusí, da adolescência – altura em que brincava com a vizinha de oito anos – à idade adulta num curto espaço de tempo.
Numa sala cheia, no Centro Cultural John dos Passos, assistimos ao promissor Der Bunker do alemão Nikias Chryssos. Nele a estética sobrepõe-se à narrativa e cada frame alude ao trabalho do artista Erwin Olaf numa estética próxima ao vintage e ao cinema de David Lynch. O humor – acerca da educação – é negro e corrosivo. Os pais educam o filho e quem o ensina é um estudante que foi desaguar num bunker, através de um anúncio, para conseguir completar a sua tese sobre a partícula de Higgs. O seu objectivo é defraudado quando se vê coagido a ensinar o filho do casal, Klaus, para que este chegue ao estatuto de presidente quando nem domina as mais básicas capitais de cada país. Uma relação doentia entre pais, filho e estudante que sem saber ensina ao seu pupilo o acto de brincar quando este o desconhecia. A emotividade entre eles cresce e ambos, personagens isoladas que estão do mundo, passam a compreender o significado da amizade.
A terminar o festival o júri atribuiu o prémio de melhor filme a Crumbs de Miguel Llansó. Uma viagem épica e surreal no cenário de uma Etiópia pós-apocalíptica com uma série de referências a um mundo pop. Um filme defendido pelo júri como fazendo uso de "uma magnífica paisagem, subvertendo a fórmula de filmes famosos e de culto, como Mad Max ou The Book of Eli, montando uma narrativa original e ligeiramente surreal sobre a utopia e a hegemonia da cultura ocidental que não deixou nada para além de relíquias, como um álbum de Michael Jackson ou uma espada, um brinquedo de culto chamado Carrefour. Birdy, um homem deficiente, estabelece como objectivo para a sua grande viagem conseguir chegar a bordo de uma nave espacial que supostamente o levará a outras dimensões".
Sobre este festival ressalva-se o facto de os filmes não terem ainda estreado e muitos nem se sabe se irão de facto estrear. Como se discutiu na Masterclass (Laurence Reymond, Kitty Hartl, Salette Ramalho, Mathew Rankin, Michael Rosen), que teve lugar no Centro Cultural John dos Passos, o problema deste tipo de filmes foca-se muitas vezes na distribuição e muitos acabam por não chegar ao público a não ser através de festivais como este. Para o ano o cinema Art Déco volta a receber este festival de cinema underground e vanguardista na idílica vila da Ponta do Sol!