Existem amantes do oceano que passam semanas à espera de ondas, sem qualquer motivo racional. Sentir a imponência das forças de pressão que se erguem perante nós não é necessário à existência, mas acrescenta valor na alma. Concebe sentimentos e sensações de espanto e admiração, faz-nos reagir – abrir os olhos ao máximo até ficarmos com as pupilas bem apertadas. No oceano das películas, Birdman é uma onda de 10 metros.
Escrito, realizado e produzido por Alejandro González Iñárritu (Amores Perros, Biutiful, Babel), Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) segue a tentativa de um inconstante super-herói aposentado fazer sucesso na Broadway.
A acção foca-se na estranha mente de Riggan (Michael Keaton) e em todas as inseguranças e demências pessoais, à medida que tenta montar uma história de destaque. Apesar do seu ego de dimensões animalescas, acaba por reunir uma equipa extremamente disfuncional mas que anseia, quase ao mesmo nível, pelo reconhecimento artístico: Lesley (Naomi Watts), Laura (Andrea Riseborough) e Mike (Edward Norton) contracenam com o ex-Birdman na peça What We Talk About When We Talk About Love também adaptada e encenada por si.
Com excelentes representações e uma narrativa frenética, o filme de 119 minutos desfruta de uma realização absolutamente encantadora. Filmado e montado com o propósito de dar a ilusão de que foi rodado numa só cena, Birdman é a fantasia da era pós-moderna, que através de um elenco que desespera por fama e adoração, nos abre os olhos para os inúteis enigmas contemporâneos.
Riggan, o personagem principal preso ao seu passado estridente, encontra-se nesta linha temporal perseguido pela ambição do seu passado e por uma voz que não controla. Ouvindo constantemente o Birdman a ecoar-lhe na cabeça, apercebemo-nos de que o que está em causa é um problema de identidade e de angústia de si mesmo. A velha luta do “quem sou eu?” e do “quem é que acham que eu sou?” torna-se explicita à medida que Riggan se arrasta com as forças que tem – e que já não tem mais – para o sucesso por si idealizado.
As personagens transpiram medo e escondem-se atrás de máscaras que sabem não ser as suas faces, mas escolhem ser cegas por defeito. Porque não há outra opção exequível. A Inesperada Virtude da Ignorância reflecte sobre a tristeza que pode surgir proveniente do desejo de querer significar algo para os outros e não para nós mesmos. A preocupação com as opiniões alheias, a falsa aparência, a farsa do mundo do teatro e do cinema, a exaltação na forma de arte. Afinal, o que é preciso fazer para sermos vistos?
Num mundo em que cada vez mais entendemos que o sucesso ou reconhecimento requerem o raciocínio do “faz a diferença”, insere-se uma lógica quase sádica que nos lança olhares de reprovação e faz questionar os limites e o equilíbrio entre o feito e a recompensa.
Além de uma fantástica obra cinematográfica, Birdman destaca-se como uma sátira ao mundo do espectáculo e ao próprio espectáculo que daí surge – o extremo, a extravagância, o exagero. Auxiliado por uma metáfora constante com a mentira dos super-heróis (a vida que não existe), Iñárritu tenta ressuscitar um pensamento introspetivo alinhado com a perpétua luta na definição de nós mesmos. E assim nos estremece.