CINEMA

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Numa Era em que a foodporn tem invadido o globo a uma velocidade absurda, somos cada vez mais confrontados com apetites requintados que não temos bem a certeza de onde surgem – e não há qualquer problema nisso. Pelo contrário.

Este vício guloso que quase tem vida própria está presente em múltiplas plataformas digitais e revistas especializadas, no entanto, e em prole da sanidade mental dos cinéfilos vorazes, está igual e deliciosamente bem retratado na sétima arte.

Deixe de lado o pensamento “apetecia-me mesmo uma sandes de queijo” e embarque connosco na refinada viajem da gastronomia fumegante que o irá fazer suplicar por um Fondue Savoyarde.

Jiro Dreams of Sushi (2011)

O documentário de Davig Gelb segue Jiro Ono, um chef japonês nascido em 1925, trabalhador até à data, que não tenciona deixar de o fazer até o físico lhe falhar ou a aparência o exigir. Com três estrelas Michelin e apenas 10 lugares sentados, o Sukiyabashi Jiro é uma paragem obrigatória para todos os foodies abastados que passarem por Ginza, Tokio.

Com a convicção de que o segredo para o sucesso é o constante e incansável aperfeiçoamento da técnica, Jiro trabalha com sushi há mais de 75 anos e não se revê noutro ofício – o que o torna único no mercado internacional. Além da sua técnica refinada, o chef idolatra o bom gosto e ambiciona a mais superior qualidade. Demanda o melhor dos peixes, o mais delicioso arroz e apura o seu próprio paladar e o de quem consigo trabalha, de forma a obter um produto de excelência. A seu ver, para oferecer uma refeição de qualidade, a sua prova é indispensável. Para tal, é preciso apurar o palato e conhecer os ingredientes de topo – e só assim será possível surpreender os clientes.

Em Jiro Dreams of Sushi não existem preocupações no âmbito da fotografia ou da composição metafórica, mas uma perfeita harmonia entre a narrativa e a imagem. As palavras e a comida apresentadas suscitam um apetite estranhamente agradável – simultaneamente insaciável e autossuficiente, como se a degustação não fosse necessária à percepção do divino.

Sideways (2004)

Indicado para cinco categorias nos Óscares de 2005, Sideways, de Alexander Payne, apresenta a arte de divagar, arriscar e de provar vinho enquanto tratamos de viver. Mais importante ainda, ensina-nos que não há motivo pelo qual devamos guardar aquela garrafa valiosa no armário – o momento especial fazemo-lo nós, aproveitar é agora.

Sobre Miles (Paul Giamatti), um escritor malogrado com um requintado fascínio por vinhos e o seu amigo Jack (Thomas Haden Church), rebelde com inseguranças matrimoniais, Sideways transforma-se numa jornada aromática pela região vinícola do Vale de Santa Ynez, na Califórnia, onde os dois amigos viajam durante uma semana com o objectivo de se distraírem e se redescobrirem (embora não o saibam).<

Passando pelo delicioso Pinot Noir, de encontro ao sparkling Byron e com um toque final de Château Cheval Blanc, o filme de Payne é o sorriso de uma garrafeira em forma de imagem e é, previsivelmente, irresistível.

Les Émotifs Anonymes (2010)

Vamos falar sobre aquela sensação de borboletas quando os aromas penetram o chocolate e introduzem um cosmos muito mais perfeito?

Sobre a batalha de combater a ansiedade social, o medo generalizado e a fobia da intimidade, o filme de Jean-Pierre Améris segue Jean-René (Benoît Poelvoorde), dono de uma fábrica de chocolate artesanal, e a sua nova vendedora comercial, Angélique Delange (Isabelle Carré), que salva o negócio ao revelar que é, na verdade, uma exuberante perita na arte do cacau.

Porque uma paixão em comum é uma porta sem fechadura para o envolvimento amoroso, Jean-René e Angélique embarcam numa peripécia afectiva que os ajuda a serem mais e ensina que o receio de viver não é maior que a vontade de ser feliz – e, na verdade, tudo é mais harmonioso com cafuné e bombons recheados.

Apesar de não ser um elemento muito focado na imagem, le chocolat é a causa de toda a doçura em Les émotifs anonymes, que se ergue com gentileza no seio das comédias românticas e merece ser adicionado à verdadeira lista de filmes de domingo à tarde.

Yin shi nan nu (1994)

Com o título inglês Eat Drink Man Woman, o filme de Ang Lee faz-nos uma visita guiada à gastronomia e cultura chinesas através de uma família de Taiwan composta por um pai viúvo, Mr. Chu (Sihung Lung) e as suas três filhas, Jia-Jen (Kuei-Mei Yang), Jia-Chien (Chien-Lien Wu) e Jia-Ning (Yu-Wen Wang).

Mr. Chu é um chef resmungão com alguma idade que tem vindo a perder o seu paladar, interferindo na sua paixão de sempre e atingindo-o dolorosamente. A acção do filme constrói-se com base na vida de cada uma das filhas, que anunciam novidades nas refeições de domingo e revelam, com a ajuda do pai, que a vida tanto pode ser feliz como frustrada – e tudo num piscar de olhos.

Além de usufruir um dos argumentos mais marcantes no que diz respeito à China contemporânea e aos valores morais da sociedade na altura, a película de Lee entretém o espectador com sequências deleitosas que despertam um desejo infinito por dumplings e pato-à-pequim.

Chef (2014)

O filme do multifacetado Jon Favreau (realizador, argumentista e actor principal) é um retrato agradável sobre um chef enamorado pela sua profissão, pela qual luta até ao fim do mundo. Quando Carl (Favreau) se vê afastado do restaurante onde trabalha devido ao poder das críticas e das redes sociais, a única solução é iniciar o seu próprio negócio: uma roulotte de comida cubana. Com a ajuda do filho, da ex-mulher e de um fiel colega, Henry embarca na aventura que sempre ignorou mas que se define como a ideal para a vida.

Acompanhando a narrativa inspiradora, são-nos oferecidas imagens que nos fazem querer lamber o ecrã: começando com tenras sandes cubanas acompanhadas por yucca fries (pesquise, porque vai querer ver) e acabando com beignets do Café du Monde, Chef é uma autêntica experiência culinária que não poupa nos pormenores.

Babettes gæstebud (1987)

Está na altura de recuar até ao século XIX e explorar uma pequena e remota vila dinamarquesa onde moram duas irmãs, Filippa (Bodil Kjer) e Martine (Birgitte Federspiel) que, muitos anos após a mocidade, acolhem em casa uma francesa que escapara da guerra e se vê desamparada e sem tecto. De nome Babette, a mulher (Stéphane Audran) compromete-se a trabalhar para as irmãs como empregada e cozinheira, sem retorno monetário necessário.

Tendo já surpreendido os habitantes da vila com as suas fenomenais sopas, Babette anseia por mais até que, num dia como os outros, recebe a novidade de que ganhou a lotaria e propõe-se a confeccionar um verdadeiro jantar francês em honra do 100º aniversário do outrora pastor da aldeia, pai das suas hospitaleiras.

Com a ajuda do sobrinho que fez todas as compras em Paris, Babette prepara uma refeição que se apresenta tanto como um atentado ao vegetarianismo como uma obra de génio. A refeição é servida num autêntico banquete e provoca um sorriso deleitoso nos habitantes de vila, outrora reticentes com o exotismo dos alimentos.

Observando o último acto do filme de Gabriel Axel, descobrimos a cozinha francesa tradicional e de chef, através de um menu de excelência que, avisamos já, provoca alguma salivação: Potage à la Tortue (sopa de tartaruga) acompanhada por Amontillado, Blinis Demidoff (uma espécie de panqueca com caviar e natas) acompanhado por champanhe Veuve Cliquot, Cailles en Sarcophage (codorniz em massa folhada com foie gras e molho de trufas) servido com Clos de Vougeot, Savarin au Rhum avec des Figues et Fruit Glacée (bolo de rum com figos e frutos cristalizados) servido com champanhe e, por fim, uma variedade de frutas e queijos com café e conhaque a acompanhar. Água na boca, certo?

Tendo gasto todo o seu dinheiro na compra dos alimentos para o convívio, Babette volta ao seu estado de pobreza, mas desta vez com um sorriso maior que o mundo. Porque, citando, “um artista nunca é pobre”, e quem come por gosto… não cansa.

Julie & Julia (2009)

Tudo corre normalmente até nos apercebermos que não corre bem. E porque raios é que a vida não haverá de correr bem? Nora Ephron responde de forma ternurenta e obriga-nos a perseguir os sonhos em Julie & Julia.

Julie Powell (Amy Adams) é uma escritora falhada que trabalha num call center e se sente insatisfeita com a vida, até que percebe que deve reagir e decide criar um blogue com a temática culinária, onde se desafia a si mesma a cozinhar as 524 receitas do livro de Julia Child, uma famosa autora do género e apresentadora de televisão, interpretada por Meryl Streep.

À medida que conhecemos a vida de Julie e a evolução do seu êxito, conhecemos igualmente a de Julia (recuando 40 anos no tempo), a partir do momento em que, em França, descobriu e decidiu que a cozinha era o portal para a sua felicidade e concretização pessoais.

Igualmente espantoso para quem tem paixões infinitas por Paris e pela sua cozinha, o filme de Nora Ephron é um autêntico Pâté de Canard en Croûte acabado de sair do forno – bonito por fora e esplendido por dentro. Calce as luvas de cozinha, sente-se no sofá e… Bon appetit!

Como Água para Chocolate (1992)

Curiosamente, ao contrário do que o título sugere, no filme de Alfonso Arau não somos devastados por uma enorme vontade de devorar chocolate. Nesta película, o desejo que nos assombra é mais físico do que gastronómico.

Utilizando analogias culinárias, como a massa que entra em contacto com a água a ferver, Como Água para Chocolate segue o amor impossível entre Tita (Lumi Cavazos) e Pedro (Marco Leonardi) no México de antigamente, focando-se no calor da paixão intensa e em todas as suas consequências.

Culinariamente falando, é Tita quem nos transmite a paixão sobre a comida, não fosse a cozinha a sua divisão preferida da casa. Desde pequena que se habituara aos odores das panelas e dos legumes frescos, que a tornaram um ser humano extremamente sensível e capaz de transmitir as suas emoções para os pratos confecionados.

Distinguindo-se como um drama, Como agua para chocolate dá-nos a comfort food que precisamos numa noite fria e a lembrança de que, até do outro lado do Atlântico, uma boa canja de galinha tem o poder de curar qualquer maleita – física e mental.

Waitress (2007)

E se transformasse tudo aquilo que está a sentir… numa tarte? Seja bem-vindo ao fantástico mundo de Jenna Hunterson (Keri Russell), o génio das tartes.

Quando Jenna, empregada que trabalha num diner dedicado a tartes criadas por si, descobre que está grávida do seu marido infernal, decide arriscar na vida. O seu potencial é despertado com a ajuda de um médico que lhe dá a volta à cabeça e de um velhote sábio que a obriga a correr atrás do sucesso e a ignorar para sempre o comodismo falso, e o resultado é simplesmente encantador.

Estreado em Sundance, Waitress afirma-se como um indie absolutamente fascinante – não só tem a componente essencial de eureka, como nos lava a vista de forma sedutora. E não, não envolve músculos. Se os próprios créditos são de lamber os lábios, espere até ver de que são feitas as tartes Falling in Love Chocolate Mousse Pie, Maershmellow Mermaid Pie, Strawberry Chocolate Oasis Pie, ou mesmo a muito-estranha-tarte intitulada Bad Baby Quiche Pie –composta, esta, por queijo brie, fiambre fumado e ovo. Curiosidade despertada?

Big Night (1996)
Se já estava a recear que a cozinha italiana não teria lugar nesta selecção, despreocupe-se. Há quase 20 anos atrás, Campbell Scott e Stanley Tucci realizaram um dos mais épicos filmes de ficção sobre a arte de confecionar os mais irresistíveis pratos da história.

A narrativa remonta à década de 50 e segue o negócio de dois irmãos italianos nos Estados Unidos que lutam por agradar os seus clientes, mas falham devido à barreira imposta e aos hábitos alimentares demasiado vincados da população.

Depois de tomar conhecimento de que os dias do seu restaurante estão contados devido a dívidas ao banco, Primo (Tony Shalhoub), numa tentativa desesperada, pede um empréstimo a um conhecido e dono de um restaurante concorrente, Pascal (Ian Holm), que a recusa – sugerindo, no entanto, que os irmãos preparem um grande jantar para um amigo seu a quem ele pessoalmente ligará – o cantor Louis Prima.

Entusiasmados com a proposta, única salvação para o negócio, Primo e o seu irmão Secondo (Stanley Tucci), o chef principal, preparam um banquete magistral – e é aqui que os nossos olhos se arregalam. Desfrutamos de sopa, vários pratos principais e sobremesas mas a taça de ouro da espantosa sequência vai para o Timpano, também conhecido como Timballo. Trata-se de uma espécie de lasanha – com um recheio oriundo do Céu – envolta em… mais massa. Senhoras e senhores, se não conhecem ou nunca provaram, façam-no. Rapidamente.

Abordando o sonho americano de uma perspetiva frustrada e a componente de titânio dos laços familiares, Big Night define-se como um drama gastronómico onde a vontade de deleitar a visão fica no pódio. É caso para dizer: Bravo!

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