Especialista em produções que seguem uma linha de intervalo temporal tanto fictícia como real (Before Sunrise, Before Sunset e Before Midnight), Richard Linklater volta a surpreender a audiência com uma produção que durou 12 anos, contando com 200.000 dólares por cada um deles e um financiamento total de 2.4 milhões – que cobriu ainda um ano de pré-produção e dois de pós-produção.
Foi no ano de 2002 que o realizador natural de Houston iniciou as filmagens sobre aquela que seria a história do crescimento de um rapaz e das suas interações familiares e com o resto do mundo. Boyhood: Momentos de uma Vida destaca-se principalmente devido à sua produção incomum mas é muito mais do que algo inovador – é uma obra de arte. Pura.
Acompanhando Mason (Ellar Coltrane) desde os seis anos de idade até à sua entrada na Universidade, a película de 165 minutos narra não só o crescimento físico, mas também o desenvolvimento psicológico e intelectual característico deste período em que arrecadamos influências fulcrais para a definição da nossa identidade.
Desde os casamentos falhados da mãe (Patricia Arquette), às maluquices da irmã Samantha (Lorelei Linklater, filha do realizador) e às conversas reflexivas com o pai (Ethan Hawke) e com a namorada Sheena (Zoe Graham), o filme segue igualmente o progresso do mundo temporal: são apresentados múltiplos signos que nos situam na linha de acção, desde o manga Dragon Ball ao Game Boy, que irá evoluir para uma consola de maiores dimensões, aos livros da saga Harry Potter e mais tarde da saga Twilight, até à banda sonora de excelência, que amadurece com o passar dos anos.
Descrito como um filme que narra a evolução de uma criança até à idade adulta, Boyhood pretende reflectir não só sobre o crescimento mas sobre o sentido da vida, apresentando-nos várias reflexões que conduzem à questão: qual é o objetivo de tudo isto? Richard Linklater – que mantém um pé nos planos-sequência onde, como seria de esperar, nem damos pelo tempo passar – responde-nos com um excelente argumento e uma fantástica direcção de actores, particularmente de Ethan e Ellar.
Recebendo influências de um pai que lhe ensina que “a vida não nos dá barreiras” – analogia utilizada numa cena em que o rapaz refila por não conseguir manter a bola de bowling dentro da pista –, ou dos companheiros alcoólicos e falhados da mãe que o fazem querer ser melhor, Mason torna-se num adolescente sensível à arte e apaixonado por fotografia.
Num plano geral, a personagem apresenta-se um pouco fria e apática em relação às pessoas que o circundam, admitindo inclusive que não costuma exteriorizar os seus sentimentos. Contudo, se aproximarmos esse plano, descobrimos uma extrema sensibilidade que se revela desde a primeira cena do filme, onde a criança olhava para o céu e tentava adivinhar a origem das vespas. Esta é, afinal, a história do desenvolvimento de uma criança e da posição que o seu futuro adolescente pretende adquirir no mundo: fazer a diferença.
A experiência de Boyhood não se prende apenas no entretenimento, mas no enriquecimento pessoal e na ligação profunda que criamos com as personagens que vemos literalmente crescer. Saímos da sala com uma sensação avassaladora de riqueza: terminámos o filme com muito mais do que começámos.
Com 53 anos e com pouco mais de 15 filmes no seu currículo cinematográfico, Richard Linklater destaca-se no ramo do cinema independente com uma classe admirável. Faz-nos acreditar na realidade da sua ficção, por ser, precisamente, baseada na vida como ela é: antagónica em cada instante, obscura e graciosa.