Fotografias: ©FCG/Nuno Martins.
Há pouco mais de uma semana passou mais um Jazz em Agosto, festival de Jazz anual organizado pela Gulbenkian Música. Desta vez, 30º aniversário, com todos os concertos no Auditório ao Ar Livre e filmes/documentários na Sala Polivalente do CAM, e ainda, lançamento do livro comemorativo destes 30 anos de Festival. Muita coisa a acontecer. Ainda bem que a Gulbenkian continua com capacidade para organizar este festival. Que continuem por muito mais tempo!
Estive lá, como faço desde 98. É um festival de referência para mim e por lá encontro, sempre, todos aqueles que têm paixão por Jazz mais vanguardista – “O outro lado do Jazz”, como Rui Neves, director artístico, assina o Festival. O Jazz tem muitos lados, essa característica maravilhosa de aglutinar (outras) músicas, ideias e vivências é enorme, e por isso nos prende, apaixona e vicia para sempre.
Desta vez pude assistir a todos os concertos, com excepção da Maria João “Ogre”. Dos filmes só vi os de Zorn que não me entusiasmaram especialmente. É o que faço sempre que possível, como numa exposição colectiva, o que é importante é ir, interiorizar e, depois, fixar aquilo que nos interessa.
Assim, pude ver “monstros” históricos como John Zorn, Marc Ribot, Anthony Braxton, Pharoah Sanders e, outros mais recentes, como Mats Gustafsson, Paal Nilssen-Love, Ingebrigt Haker-Flaten, Peter Evans, Jim Black, Mary Halvorson, Rob Mazurek e muitos mais. Enfim, não vou falar de todos. Músicos altamente criativos, que a qualquer momento nos fazem lembrar que os músicos de Jazz são o próprio Jazz. É isso mesmo, o Jazz é música para descobrir individualidades, mas individualidades interessantes. Com interesse e coisas interessantes para dizer. Adquiridas, é certo, pois nada vem do nada. O músico de Jazz tem plena consciência de TODO o património que está para trás. Estuda constantemente, senão não pode ser um músico de Jazz. E depois, partilhar generosamente tudo, coisas dos mais profundos “Eu(s)”que se vão descobrindo, coisas de nós, dos humanos, do que somos e do que raio é que estamos aqui a fazer. Essas coisas: tentar compreender, contrariar também, desafiar, revolucionar constantemente, correr todos os riscos e ERRAR. O Jazz é como a vida, é mundano.
Fixei, por exemplo, o Electric Masada de Zorn. Uma máquina infernal. O tipo parece um domador de feras a roçar a ditadura. Controla tudo e totalmente: partituras, dinâmicas, improvisação colectiva e individual de todos os elementos do grupo e o sentido de toda a música, e com punho de aço, género se algum músico se distrai é fuzilado. E ainda toca (nem vale a pena dizer se o faz bem, o Zorn é o Zorn). Tudo isto com “feras” como Marc Ribot, Jamie Saft, Ikue Mori, Joey Baron e Cyro Batista, que facilmente explodem em momentos de improvisação geniais. Mas quem manda é ELE e em tudo, pois assim é que aquilo funciona – é arrasador! A música? É aquela música deles, que nos habituámos a ouvir nos discos da sua editora Tzadik, uma mix de Calipsos, Blues, Jazz Bop, Free improv e, claro, música de raíz Judaica.
Pelo meio, Anthony Braxton, interessante como sempre e, desta vez, em quarteto. O Falling River Music Quartet é uma espécie de música de câmara com composição e improvisação intercaladas e organizadas, aparentemente sem ordem específica. Ao contrário de outros tempos, Braxton obriga-nos agora ao exercício de esperar um pouco para pensar no fim ou, simplesmente, ouvir e não pensar. Com ele estava Mary Halvorson, guitarrista agora em voga. Também gosto dela, no entanto, falta qualquer coisa. Talvez conseguir perceber concretamente a direcção conceptual da sua música, parece-me um pouco vazia de emoções. É que ser extremamente competente e altamente eficiente não chega. Mas é mesmo assim, não tenho certezas, isto pode ser falível em três tempos, ou não… não sei… confusão… curiosidade! Há sempre muitas discussões. Houve quem gostasse imenso, outros nada, como sempre. Rai’s partam o Jazz!
Na mesma linha vem Peter Evans, outra nova estrela. Também um concerto com alguma seriedade e apenas isso. Provavelmente com algum interesse – é a tal história. Peter Evans pertence a esta nova vaga inovadora de trompetistas que estão a fazer renascer o trompete como instrumento capaz de se renovar constantemente, ou melhor, a forma de tocar o trompete, capacidade de transcender as potencialidades do instrumento.
E depois, o meu querido Pharaoah Sanders, que eu amo! Nunca o tinha visto. Emocionei-me muito, isso é que importa e é lindo. Não me interessa se ele já está muito debilitado com a idade avançada. E depois? Eu fui ver o Pharaoah Sanders! Percebem? O próprio! Aquele que me arrasa a cabeça quando o oiço nos discos. É tremendo! Quando ele toca, aquilo roça a loucura, é diabólico, é ELE… é o Jazz!