Nos espaços da nave central do CAM encontra-se uma exposição apelativa em torno da temática da casa e que reúne um conjunto importante de trabalhos de uma vintena de autores nacionais e internacionais, pertencente à Colecção da Fundação Gulbenkian, tendo como curadores Isabel Carlos e Patrícia Rosas Prior e que irá permanecer durante parte do ano.
A casa é vista como o centro do espaço expositivo, não tendo sido escolhida neste período por acaso. Assim, ela faz companhia a duas mostras também temporárias, que terminam mais cedo. Qualquer delas diz respeito a artistas estrangeiros que se refugiaram em Portugal durante diferentes períodos históricos, sobre O Círculo Delaunay e Hein Semke Um alemão em Lisboa. E nesse campo, no estatuto de refugiado, fenómeno que está actualmente a ressurgir, a casa é um elemento imprescindível. Por outro lado, no Ocidente este elemento poderá ser o recinto mais importante nesta época do ano.
Manuel Amado, Quarto Interior, 1993
A casa é um dos primeiros objectos desenhados pela criança. Partindo do acervo da Colecção mostra obras em vários suportes de diferentes tratamentos que vão desde o vídeo, à fotografia, à pintura, ao desenho, à escultura/instalação. Assunto esse que à partida se presta a este género expositivo, abarcando a casa no seu exterior numa relação com os espaços urbanos e da sua arquitectura bem como numa leitura mais vinculada para o seu interior de carácter mais intimista.
"A casa é tratada como refúgio mas também como sítio onde se passam coisas estranhas" (Isabel Carlos)
A exposição percorre o Século XX numa linguagem contemporânea centrando-se num número considerável de obras produzidas recentemente como os trabalhos de Zoberning, Weinberger, G. Heitor Cortesão e Leonor Antunes. Desta última artista, que trabalha no universo da arquitectura e do design é apresentada uma instalação de esculturas em madeira e corda de nylon.
Muitas destas peças já estiveram expostas neste espaço com mostras de carácter individual, podendo ser uma forma de as percepcionar num cenário de índole mais abrangente; sendo uma maneira de as revisitar. Para a escolha dos trabalhos foi utilizado como critério a qualidade e a mestria técnica empregue.
Antes de se chegar à sala principal, a exposição abre com telas dos anos 60 de Carlos Botelho formadas por panorâmicas bem ao seu estilo. A própria casa da Gulbenkian foi tema de obras presentes como se evidencia através da fotografia do artista alemão Thomas Weinberger e do vídeo de Narelle Jubelin que oferece o interior do CAM com as suas linhas construtivas.
Thomas Weinberg, Museu Gulbenkian, 2008
No domínio da instalação foi dada preferência às peças de chão onde prevalecem as linhas horizontais como se as esculturas fossem a base da própria casa num estreito diálogo com as largas janelas onde transparece a paisagem do jardim. De entre elas destacam-se pela sua simplicidade e despojamento formal o caso da britânica Rachel Whiteread e Pedro Cabrita Reis. A escultura de Rachel evoca as suas memórias com a materialização do espaço de um não-lugar, através de um bloco compacto e impenetrável. É nesta área que mais se destaca numa sobriedade volumétrica com excepção da instalação do austríaco Heimo Zoberning, de Patrick Raynaud e de Vasco Araújo; nestas últimas composições, existe uma complexidade formal rebuscada, de cores intensas.
O espelho e os tubos de aço surgem como desenhos no espaço nas esculturas de Croft, de C. Nogueira e de W. Caldas, em que este último escreve o funcionamento dos espelhos sempre me intrigou e está presente em boa parte da minha obra, apropriando-se da palavra Espelho para o seu título.
De Ana Vidigal observa-se duas intervenções, uma escultura de parede com a colagem de tampas de caixas de sapatos e a instalação Penélope sobre um colchão estendido no chão coberto por envelopes de cartas.
Na pintura são evidenciadas obras de Gil Heitor Cortesão, o díptico (Manifestação) apresenta uma cidade invadida por uma multidão que a atravessa, imbuída de uma atmosfera esfumada, serviu de cartaz da exposição.
Gil Heitor Cortesão, Sem Título (Manifestação), 2004
No vídeo é de salientar o Chão de Cimento de A. de Sousa e o trabalho Deslocação de Produto de Filipa César, este último é um filme díptico sem som como se os personagens estivessem ficados abruptamente imobilizados na acção que estavam a desenvolver no interior de residências como se houvesse numa paragem do tempo. Nesse vídeo Filipa interroga a vida num espaço ao mesmo tempo quotidiano e privado, comum e interior: a casa.
Lugares, memórias, arquitecturas, intimidades, do interior e do exterior, do quarto à cidade. Obras que relacionam arte e arquitectura, o corpo e a casa. As casas continuam a distinguir-se por serem lugares de intimidade, abrigo e segurança repletas de memórias; As casas nascem, vivem e morrem de Ruy Belo.