Obras inspiradas na figura de Maria num diálogo unindo o belo e o sublime
Ainda tem oportunidade de ver a Exposição Mater Dei porque merece sem dúvida uma visita que se encontra na Igreja de Nossa Senhora da Conceição Velha, na Baixa Lisboeta até ao fim do mês de fevereiro com a representação de expressões contemporâneas de uma vintena de artistas portugueses em torno da figura de Maria. A mostra resultou da ideia de Noronha de Andrade e do padre M. Rui Pedras, Pároco de São Nicolau, tendo sido planeada e organizada por uma comissão que inclui Graça Carmona e Costa, João Avillez e M. Costa Cabral, o encenador do evento. A iniciativa surge para assinalar a reabilitação do interior da Igreja. A oportunidade do acontecimento divide-se também em dois momentos: o Tricentenário do Patriarcado de Lisboa e o Centenário das Aparições de Fátima.
Foram convidados artistas plásticos de diferentes gerações que responderam positivamente à chamada com obras sendo algumas inéditas concebidas especificamente para o efeito. A partir de Março, os trabalhos seguirão para Fátima, onde serão exibidos nas Galerias da Basílica entre Maio e Outubro. Os autores desenvolveram peças que se prendem com a temática da Mãe de Deus; existindo entre elas um mesmo fio condutor mas em diversos suportes visuais. Foi pedido aos participantes que escrevessem um texto para o catálogo (de formato sedutor e fácil manuseamento), a explicar a origem de cada peça e as referências evocadas. Na produção das composições não foi exigido qualquer tipo de limitação; como é bem visível na qualidade do conjunto diversificado onde os criadores procuraram realizar no plano plástico a temática livremente. O importante é observar a forma como os artistas interpretam a figura de Maria, a vêem, a sentem e a imaginam.
«Promover o regresso da ligação entre a arte e o sagrado» (João Avillez)
Perante a extensa panóplia de trabalhos, numa pluralidade de discursos, uns aproximaram-se mais da imagem de Mater Dei numa adequada figuração; enquanto outros realizaram uma interpretação singular, de um tratamento formal mais liberto, dentro de soluções mais abstratas, com o emprego de materiais em técnica mista onde a vertente criativa ocupa um lugar cimeiro; como no painel de parede de Ilda David e na instalação de G. Pereira Coutinho onde escreve que quando somos confrontados com a nossa mortalidade começamos a apreciar os verdadeiros milagres que nos cerca todos os dias.
As esculturas ocupam uma presença expressiva muito forte, como a Mater Dolorosa de R. Sanches, apresenta Maria sem rosto, uma peça oca no seu interior, moldada em gesso recortado em forma de manto e a instalação de uma túnica através de um corpo frágil suspenso de M. José Oliveira. Na pintura/desenho, surgem obras notáveis delicadas, onde a figuração alcança cenas de momentos de qualidade como os de Jorge Martins; Inez Teixeira; João Jacinto; M. Amado e a Revelação de R. Chafes com um díptico desenhando a figura de uma mulher nua, grávida, que se une por um cordão simbólico de sangue em que foi escrita a frase do poeta Rilke.
Um dos objetivos interessantes foi a existência de uma reflexão em torno das relações da arte com o sagrado nos nossos dias, aliás Costa Cabral insiste que o mais importante é que a exposição coloque perguntas sobre a relação entre arte contemporânea e espiritualidade. É de notar que a imagem de Maria é referência maior na representação do sagrado na história da cultura ocidental; sendo incontornável as formas como os artistas a percecionaram ao longo do tempo.
Entre as figuras bíblicas, Nª Senhora e Jesus são seguramente as mais projetadas. Os artistas foram assim buscar referências à história da arte e o curador interroga-se precisamente como uma peça feita no passado pode inspirar e ser interpretada hoje, ao ponto de criar transformações a partir dessa base de estudo. Mesmo durante o Séc. XX, onde houve uma separação entre a arte e a igreja, persiste uma iconografia específica em torno desta temática. Na historiografia de arte habituámo-nos a observar as composições alusivas à Mater Dei com trabalhos antigos onde a religiosidade impera; contudo, a presente exposição torna-se um desafio de outra natureza.
Apesar da sua contemporaneidade, existe um leque de artistas que ao longo do seu percurso estético se dedicam a temas que tocam no âmago do espaço do sagrado. Nesta situação, surgem como os nomes de R. Chafes; R. Sanches, Emília Nadal; G. Costa Cabral, Clara Menéres entre outros, onde o assunto versado tem sido um dos pontos prediletos. O primeiro deles talvez seja aquele em que melhor define a junção entre as formas e o sagrado. O facto de participar na Europa com intervenções artísticas em igrejas vem consubstanciar a sua dedicação dentro do sublime.