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Inaugurou no passado dia 1 de Novembro a exposição no Museu Nacional Soares dos Reis que tem como mote a recriação da única mostra que foi feita no Porto (1916), enquanto vida do artista Amadeo de Souza Cardoso que assumiu, por sua vez, total responsabilidade na curadoria e propaganda da sua própria exposição.

Esta, que foi mostrada também e posteriormente em Lisboa, na Liga Naval Portuguesa, gerou bastantes reações adversas e vários comentários na comunicação social. Hoje, e passados 100 anos do evento supracitado, somos desafiados a olhar as obras deste que foi, talvez, um dos artistas mais importantes do movimento moderno em Portugal, à luz daquilo que hoje sabemos da evolução da plástica, da técnica e da história da arte europeia.

Coordenada por Maria João Vasconcelos, esta exibição estende-se por vários compartimentos e salas de uma parte bem discreta do museu e conta com 81 das 114 obras que constituíram a exposição original.

O facto de não existirem fotos da montagem da exposição de 1916 fez com que esta exposição fosse realizada sobre a alçada da (ordem) listagem das obras do catálogo original, o que justifica, por consequência, não estar organizada por critérios cronológicos, nem temáticos; apenas técnicos, ou seja, materiais.

museu

Na primeira sala deparamo-nos com pinturas retratando “cabeças” que oscilam por tons ocre, azuis, castanhos e verdes e que contrastam com paisagens de cores mais vibrantes e também por naturezas mortas. Já na segunda, são-nos apresentadas várias pinturas em óleo sobre tela onde a “planaridade” das formas, a pincelada densa e os planos sobrepostos que não transcrevem a sua profundidade mas que, no entanto, se distinguem pela tonalidade escolhida são as caraterísticas comuns a todas as obras. Na terceira sala, sendo que a grande maioria das pinturas datam o ano de 1916 é-nos apresentado um Amadeo Souza Cardoso tal e qual como o que hoje conhecemos: maduro, consistente, confiante de si mesmo, quer pela plástica, quer pelos motivos que usa, como máscaras, instrumentos musicais, casas rurais e temas do quotidiano popular; quase todos eles recortados e atropelados por linhas vincadas como se de um vitral (ou espelho partido) se tratassem. Por fim, e na quarta sala é possível observar (para além de uma mesa que funciona como montra com alguns apontamentos do artista, a nível do estudo da letra, da organização da exposição, materiais de decalque da sua assinatura e publicações e documentos referentes à mostra de 1916), pinturas de várias naturezas plásticas: ceras, aguarelas e guaches que dão vida a motivos populares onde por vezes, palavras substituem representações e até mesmo o próprio tema do quadro.

Assim, é importante afirmar que, embora Amadeo não se afirmasse como um artista cubista, futurista ou surrealista, o conjunto de obras apresentadas no Museu Soares dos Reis funciona como um verdadeiro tratado daquilo que foi o conjunto de vanguardas artísticas que imergiram na Europa no início do século XX, pois este artista desenvolveu o seu trabalho conjugando vivências portuguesas com motes culturais estrangeiros (que adquiriu naturalmente através de viagens, amizades e contactos que concretizou em Paris). Tal significa que, o seu legado artístico nasceu da perfeita comunhão entre o tradicional (na abordagem de temas como paisagens e motivos populares) e a modernidade (pela plástica e técnica utilizadas), que funcionam simultaneamente como verdadeiros enigmas, onde objetos que vivem numa atmosfera indefinida e recortada são obrigados a conviver com números, letras e vários tipos de pincelada.

Não obstante, e tendo em conta a assinatura do artista nos seus trabalhos (que é realizada quase de forma industrial) e também alguns títulos de obras (que brincam com as temáticas das mesmas, ironizando-as ou descrevendo-as tal e qual como as vemos) percebe-se que Souza Cardoso tinha uma forte ligação com a expressão escrita e introduz-la desde logo em parte das suas criações.

A importância desta exposição reside na vontade de recriar aquela que foi uma das mais relevantes exposições do movimento moderno português e de certa forma, pretende testar as reações do público de hoje, comparando-as com as polémicas que outrora gerou. Brevemente, estas e outras obras serão mostradas também em Lisboa (no museu do Chiado), tal como foi feito há 100 anos atrás e o conjunto das duas mostras vai procurar articular a pintura com os espaços expositivos que foram selecionados nos nossos dias como os mais indicados a este tipo de recriação curatorial.

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