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Fotografia de capa: Hans Ulrich Obrist e Filipa Oliveira.

A ARCOlisboa terminou num rodopio de visitantes, galeristas, editores, jornalistas, colecionadores e curadores. Durante quatro dias a Cordoaria Nacional encheu-se e disseminou cultura por Lisboa. O programa era vasto, as inaugurações sucediam-se, a cidade abundava de línguas diferentes, mas sobretudo espanhol e inglês. E se, como se ouvia por entre corredores e interstícios das galerias, a feira cheirava a dinheiro, havia também uma série de encontros, conversas e debates cuja preocupação era outra, bem fora do interesse mercantilista do mundo da arte.

O programa “What am I working on?” procurou trazer uma série de convidados para falarem sobre o seu trabalho e que práticas e temáticas estavam a desenvolver. Moderados por Ana Cristina Cachola (escritora e professora) e Miguel Amado (curador no Middlesbrough Institute of Modern Art), os profissionais dividiam-se entre curadores, diretores de centros de arte, galerias e espaços independentes e trouxeram uma série de reflexões que permitem mapear o que se está a fazer um pouco por todo o mundo.

Marta Gili, diretora do Jeu de Pome em Paris, falou da sua experiência à frente deste centro de produção de arte e destacou o papel combativo da instituição que se pugnou em trazer artistas cuja obra suscita incómodo ao abordarem problemáticas assaz angulosas. Um artista que acabou por ser referido com mais desenvolvimento foi Ahlam Shibli, um palestiniano que elaborou um trabalho bastante celeumático entre a comunidade judaica. Durante a sua exposição no Jeu de Pome, a polícia mobilizou-se, guarda-costas foram contratados e o evento esteve mesmo para ser cancelado por ordens superiores.

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Miguel Amado e Marta Gili

Bomi Odufunade, nigeriana educada em Inglaterra, debateu a repatriação de obras clássicas, ou tribais, e do trabalho que tem desenvolvido enquanto consultora neste âmbito e na arte contemporânea africana. A conversa tomou contornos curiosos ao explorar, ainda que indiretamente, os problemas da globalização e da apropriação cultural pelos grandes museus internacionais. Mas percebeu-se, também, que esta é uma questão carente de solução e suscetível de recorrentes frustrações: se é certo que há um interesse maior pelas novas geografias, por parte desses grandes museus, também é certo que muitos dos artistas desses locais operam nas grandes metrópoles ocidentais.

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Miguel Amado e Bomi Odufunade

No último dia, Pedro Gadanho falou do que se pode esperar nos próximos tempos para o MAAT e que artistas irão expor na sala oval – até ao próximo ano, todavia, nenhum português irá expor neste novo lugar. De registar, também, o diálogo entre Vera Appleton e Bruno Leitão, diretores, respetivamente, da Appleton Square e do Hangar, dois espaços independentes que têm vindo a desenvolver uma série de trabalhos inovadores, multidisciplinares e com um foco especial na produção, exibição e investigação de conteúdos. Não esquecendo a celebração dos dez anos de existência, Vera Appleton mostrou um teaser que faz uma resenha desse período e manifesta a vontade de continuar o percurso que a galeria tem vindo a tomar.

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Cristina Cachola e Pedro Gadanho

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Vera Appleton, Cristina Cachola e Bruno Leitão

Paralelamente aconteceram as Master Talks, nas quais foram convidados especiais Manuel Borja-Villel, diretor do Museu Reina Sofia em Espanha, e Hans Ulrich Obrist, conhecido curador e diretor da Serpentine Gallery em Londres. Nestas duas conferências foram debatidas as tendências da contemporaneidade e a forma como os museus têm vindo a estabelecer uma dialética entre tempos e culturas distintas, como é apanágio da arte contemporânea. O Reina Sofia tem palmilhado, aliás, um percurso notável, com exposições estimulantes e que desafiam o espetador ou o visitante a tomar partido de uma discursividade política, tão necessária na sedação das sociedades atuais. Neste contexto, também Obrist desenvolveu o tema que tem vindo explorar da cidadania algorítmica, concomitantemente a uma série de obras de artistas que trabalham o reino do digital e do virtual, para lá de outras temáticas que veio trabalhando no seu registo acelerado e inesgotável. Arte, política, sociedade e crítica, foram os chavões tocados, numa conferência que privilegiou a extensão global à profundidade.

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Manuel Borja-Villel

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Hans Ulrich Obrist

De um modo geral, notou-se o claro engajamento entre instituições culturais e a política, de como estas podem ser motores de esclarecimento, elucidação, fora de uma neutralidade que se torna perniciosa numa atualidade fragmentada e desconexa.

Depois de uma temporada tão curta e intensa, é hora de fazer balanços e preparar o próximo ano, de preferência mantendo este equilíbrio salutar entre informação e mercado, entre cultura e economia. Este segundo ano é a confirmação de que Lisboa muito tem a receber com este evento, mas sobretudo a arte portuguesa, ou a arte feita por portugueses ou em Portugal.

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