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Um artista em trânsito no mundo movido pela arte

Está a decorrer até ao mês de janeiro na Fundação Calouste Gulbenkian, nos espaços da Coleção Moderna da organização dirigida por Penelope Curtis, a primeira mostra antológica deste autor sob a curadoria de Isabel Carlos em parceria com Rita Fabiana. É a segunda grande retrospetiva de António Ole em Lisboa tendo a primeira sido em 2004, na Culturgest.

Este artista plástico nascido em Luanda em 1951 onde vive e trabalha atualmente é uma figura condutora de uma geração de artistas contemporâneos angolanos com uma carreira internacional de quase cinquenta anos. O título da mostra é uma das chaves da própria exposição e assume, à partida, um significado determinante e revelador do seu percurso plástico, de grande oportunidade dado que a sua obra é marcada essencialmente pelas três cidades Luanda, Los Angeles e Lisboa. Três pontos geográficos que surgem em evolução num caminho de encontro através de um diálogo permanente com a cidade eivada de um forte experimentalismo, na busca incessante, de suporte em suporte, numa tentativa de aperfeiçoamento onde a liberdade criativa é crucial, ficando livre de uma prática e expressão únicas.

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Paisagem Doméstica, Luanda, 1974 (F: Carlos Azevedo)

Eis porque o criador utiliza diferentes suportes desde a escultura, à instalação, à pintura, ao desenho e à fotografia inserindo materiais de acordo com o seu próprio universo. É de relevar as suas imponentes instalações do ciclo Mens Momentânea (II) onde este é constituído por um altar rodeado com uma parede forrada de páginas de assento de escravos; Pai onde se observa uma cadeira vazia em frente a um mural de objetos revestidos de branco e Canoa Quebrada onde a relação com a história adensa-se e é formada por um barco fraturado em duas metades recheado de símbolos encimado por dois corvos empalhados, anunciando uma viagem interrompida pelo efeito da erosão do tempo e da ação dos homens.

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Pai, Lisboa, 2006 (F: Rodrigo Peixoto)

Existe um mesmo tratamento nestes trabalhos que é materializado no espaço expositivo através da criação de um ambiente fechado e sombrio, dando a ideia de um contentor, onde a incidência da luz passa a desempenhar um papel principal. A área da filmografia iniciada após a independência de Angola, em 1975, e que se prolongou pelas décadas de 80 e 90, é uma das facetas menos conhecidas da sua obra que se encontra em grande destaque, sendo uma aposta forte desta exposição.

"A minha arte acabou por estar sempre muito ligada à ideia da sobrevivência"

Foi precisamente na Universidade da Califórnia, em Los Angeles que estudou cinema e a partir daí começou a debruçar-se sobre este campo visual; incidindo sobre a cidade de Luanda, com a sua arquitetura degradada e os seus habitantes, onde surgem ligados a uma consciência social e à temática da escravatura. É perspetivada uma nova maneira de ver o mundo, assumindo como um artista do seu tempo e para que no futuro não sejam esquecidos os assuntos sensíveis ligados à guerra de Angola. Contudo, não deseja ser rotulado de artista africano, não necessita de afirmar no seu trabalho a sua africanidade, ela está aí subjacente na própria obra. Sou um artista que viajo em trânsito. Assume portanto, descender de duas culturas, a africana e a europeia, mas confessa que só compreendeu esse facto, quando se estabeleceu em Los Angeles.

Fora do seu País, a distância, tornou mais visível as marcas deixadas pela vastidão de ruínas em África, levando-o assim, em busca das suas próprias raízes para captar a verdade e o real. Daí o interesse em escolher os bairros de lata nos limites de Luanda – os conhecidos musseques no trabalho fotográfico, captando imagens de pessoas e das suas casas feitas de materiais pobres, com restos de madeira e chapas metálicas. Mais tarde, incorporou essa dinâmica nas suas próprias assemblages a partir de materiais recolhidos nas ruas tal como no mural densamente cromático TownShip Wall.

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Township Wall, Düsseldorf, 2004 (F: JG. photography)

As suas primeiras obras dos anos 60/70, no início do seu percurso foram marcadas pela modernidade da arte ocidental onde o movimento pop esteve sempre muito presente e não propriamente dedicadas à arte africana, de composições depuradas com uma grande economia de meios. Nesse período, começou a pintar, queria ser um artista e acabei por ser ator de um movimento de mudança, recorda.

No Mural do Maculusso são também claros os laços com a arte europeia e americana. Nele parece estar presente a ideia do nomadismo, de errância e de viagem, funcionando como uma espécie de renascimento. Existem pinturas que dialogam com a abstração e fotografias que parecem um prolongamento da pintura. Resultam de impulsos que me agradam muito. Gosto de fazer as coisas umas contra as outras, como dizia Francis Picabia. Não me interessa a coerência. Chego ao ateliê, há uma pulsão e eu sigo esse instinto, explica o artista.

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O Mural de Maculusso, Luanda, 2014 (F: JG. photography)

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