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Viagem por um Universo Sensível e Poético

Vale a pena visitar a exposição da mostra antológica da artista madrilena Belén Uriel, de 42 anos, que termina no próximo mês de outubro na Culturgest.

Trata-se de uma criadora que tem vivido e trabalhado em Lisboa (nos últimos oito anos) com estadias pontuais em Londres. Foi precisamente nesta última cidade onde viveu durante cinco anos (entre 2003 e 2008) onde cursou o Mestrado de Belas-Artes, no Chelsea College of Art and Design. O seu trabalho centra-se no domínio da escultura e do objeto. Aliás, estamos perante uma artista com uma rara sensibilidade na disciplina de escultura, dedicando uma atenção especial ao estudo dos volumes matéricos de que são feitas as peças. Esta abordagem revela um léxico e uma sintaxe perfeitamente consolidados, de grande rigor e subtileza na manipulação dos materiais, na construção de formas e na definição de escalas imbuídos num gesto escultórico. Na sua exposição Pedra, papel e tesoura no Pavilhão Branco em 2013, já manifestava essas características. Algumas dessas obras, especialmente as suspensas, eram de tal maneira discretas, devido ao minimalismo acentuado, que quase não se dava por elas.

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Objetos respiram num espaço encenado

A atual exibição combina obras desde as mais antigas de 2012 com peças mais recentes de 2016. Foram também integradas intervenções ultimamente expostas no Museu de Wiesbaden. Nesta exposição é de salientar por um lado, o aprofundamento do seu processo metodológico e, por outro, a qualidade expositiva no acolhimento rigoroso das suas esculturas, exercício conduzido por Miguel Wandschneider. A exposição está organizada de forma que se revela claramente as tensões nos trabalhos de caráter ambíguo e o entendimento do próprio espaço. Nalgumas situações foi encontrada uma sábia geometria deliberadamente realizada que consiste em criar simetrias adequadas ao espaço em função das esculturas a expor.

O curador estabelece uma relação ajustada, por exemplo, entre duas esculturas de parede Nascente e Poente que se encontram diametralmente opostas, concebidas em alumínio, ferro, vidro e espelho fundidos. São peças inéditas em contexto site specific colocadas nas paredes que se tornam centrais no panorama expositivo. Estas funcionam como elementos arquitetónicos portas/janelas, localizando-se em lugares de passagem que vigiam todo o espaço de natureza puramente cenográfica e onde o reflexo da luz trespassa tranquilamente. O título dessas composições poderia ter sido escolhido em jeito de apropriação para a exposição.

Outro aspeto a reter é a relação estreita que o curador consegue estabelecer entre a distribuição dos objetos; em que é evidenciada a qualidade do material das esculturas onde a artista cria a ilusão no plano da perceção como se fossem obras de pedra, portanto resistentes; contudo são construídas em papier maché com a fragilidade que tal implica. Isto é, ilude o observador enganando-o quanto à resistência e densidade das mesmas, demonstrando, no entanto, a sua fragilidade, como se se tratasse de um jogo ótico. Assim sendo o exercício do olhar é por si só falso, num resultado de trompe l’oeil face à realidade. Noutras situações, sucede o inverso, como no Raso ao chão que aparenta ser delicado, mas é consistente. É uma profunda conhecedora do trabalho matérico porque é necessário avaliar as propriedades dos materiais no seu modus faciendi para conseguir obter um resultado tão perfeito como este.

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Na primeira sala a base das esculturas, a artista recorre a objetos reais de uso quotidiano como cestos de roupa, posicionados em diferentes situações, consoante a configuração do objeto. Toalhas de mesa e guardanapos feitos em papel transformados em formas escultóricas são os elementos mais fortes da exposição, lembrando o mecanismo de Isaque Pinheiro. Os objetos de Uriel perderam assim a sua função inicial: cestos virados ao contrário, perfis de cadeiras distorcidas e pneus tornados papel.

No último espaço, foi dada preferência a um conjunto de elementos com esculturas em papier maché com a denominação expressiva Lama no Sapato construídas a partir das marcas de pneus que em 2014 estiveram expostas no Parkour. O seu percurso revela uma produção artística consolidada onde a linguagem atinge um discurso, por vezes, tão radical como de subtil. Ao longo desta visita, os volumes convocam uma geometria de uma sensibilidade e entendimento do espaço num contexto da reflexão estética nas suas dinâmicas construtivas e do modernismo na escultura contemporânea.

Belén Uriel licenciou-se pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade Complutense de Madrid e fez o Mestrado de Belas-Artes em Londres.

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