MÚSICA

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Estafados. Arrastar as cadeiras, encostar as mochilas e pedir tudo o que vier à cabeça – sumo de laranja, iogurte, chá. Chá nunca pode faltar. Viagem longa, uma nova cidade, um novo dia e a esplanada como oásis. Tudo parece perfeito. A viagem e o efeito apaziguador. Em Marrocos deve-se acrescentar o da surpresa. Meio dormidos, conversa banal e eis que se aproxima um marroquino. Sorriso franco, haverá algum sem ele? E conversa desfiada. Daí até ao convite para almoçar em terraço no meio da Medina de Fez foi um salto. De que lado chega a noite e outras conversas com igual nexo. E ela, a noite, chegou sem pré-aviso e com outro autocarro para apanhar. Os dois, agora de mochila às costas, detrás de um miúdo com não mais de seis anos, por ruelas, e contra ruelas e uma confiança desmedida. Sem dedos cruzados porque basta confiar. A Marrocos não se vai se não se for de coração aberto.

Uma mão aberta foi o que nos estendeu Driss El Maloumi na passada Sexta-feira em concerto na Culturgest. Um convite para uma viagem, para um redesenho de novos caminhos, uma nova banana azul, não sustentada em variáveis demográficas, económicas, intrinsecamente eurocêntrica, antes um arco pelo norte de África, do mediterrâneo que o cruza e abarca o sul de Portugal e Espanha e, porque não, os Balcãs. A história, a história de trocas entre diferentes culturas e religiões, o saber estar de milénios. O alaúde de Driss El Maloumi e as precursões de Said El Maloumi e Lahoucine Baquir entoando os sons que se devem ouvir de janela aberta, de cabeça ao vento enquanto se enxerga esse magma de cores - o verde do Vale do Draa, ao quase branco do deserto, da paleta interminável das especiarias.

Um sentido de elevação, de equilíbrio, Tawazoun, em árabe, e que apela à harmonia entre nós e o que nos rodeia. Harmonia de sons entre o alaúde e as precursões, djambé, pandeiro e cajón flamenco, já no final do concerto, contaminada por doses generosas de boa disposição e despiques vários - entre os percussionistas, às vezes é difícil travá-los como tão bem mencionou Driss El Maloumi ou entre os dedos de uma mão. Em Dialogue des doigts não se trata só de uma capacidade técnica invejável, antes um conhecimento infindável, sobre a história, as tradições e sobretudo compreender a evolução e os diferentes particularismos. Noutros poderia ser demonstração de virtuosismo com Driss El Maloumi é um conto, uma nova forma de tocar, a uma só mão, as cordas e todas as pontas dos dedos em saltitante melodia. É a capacidade de criar diálogos em temas como Safar, de evocar heranças ancestrais, contos bérberes, como em Badinage e de entender que a música, a música ao vivo em particular, é alimento de alma, é uma viagem (Makan) como o título do mais recente trabalho.

No final somos almas dançantes (L’Âme Dansée) sequiosas por mais um pequeno momento, esticar um pouco mais a noite, sair do marasmo recorrente e, por breves instantes que seja, certificar-nos que este universo nos é bem próximo.

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