Sumbawa é aquele bocado de terra que os poucos turistas que vão à ilha de Flores sobrevoam para regressar à civilização de Bali. Raríssimos são os que visitam estas paragens e, por isso mesmo, foi para aí que decidimos ir.
Quando há transporte local, e aqui não há outra coisa, é nesse que vamos e durante dias inteiros saltamos nos bancos de trás – não por sermos cool mas por serem os únicos com espaço para as nossas pernas – enquanto ligamos a televisão para esta realidade. Foi para isto que viemos e não sabíamos: Sumbawa.
Eles vão entrando e oferecendo cigarros, fumando e tentando falar connosco, fumando mais e abrindo as marmitas, a viagem há-de ser de umas dez horas: uns dois maços. Disse-nos depois o TJ Serrano, nascido e criado em Sumbawa, que fumar é o desporto nacional.
Chegados à capital, Sumbawa Besar, amanhã é ver vida a acontecer, sem mais planos.
De manhã chegamos ao mercado a achar que já tínhamos visto tudo nestes sete meses. Afinal, para o passar de um lado ao outro, foi preciso ir a fazer abdominais para forçar o sorriso e manter o vómito cá dentro. O cheiro do peixe e da carne mistura-se com o das pilhas de lixo, os vegetais espalham-se pelo chão de terra, enquanto gatos e cães vão comendo as entranhas dos peixes que estão a ser amanhados ao lado da banca das frutas cheias de moscas. E os vendedores sempre a rir, a querer saber de nós, a querer mostrar o que têm. Nós a querer ficar e fugir ao mesmo tempo.
Saídos do mercado, respiramos e olhamo-nos sem palavras, enfiamo-nos pelo bairro mais próximo, uma aldeia pequenita dentro da cidade onde todos se assomam às janelas para nos sorrir. Pelo caminho os mais destemidos param-nos para nos tirar fotografias ou para posar para as nossas, para os passou-bem e para arriscarem no inglês enquanto nós tentamos o indonésio. Não passam 50 metros sem virem ter connosco.
Há um grupo a jogar xadrez, é comum na Indonésia, mal nos vêem chamam-nos para jogar, oferecerem cigarros e café e lá ficamos horas à semi-conversa bilingue e a levarmos porrada xadrezística.
Almoçamos na barraca ao lado, caldo de um bicho qualquer ou as peles e ossos desse bicho, acabamos com a mesma fome e vamos ao futebol ao fundo da rua.
Mal entramos no estádio só os jogadores não param para olhar para nós, depois dos primeiros 20 high fives chamam-nos, obrigam-nos, a ir ver o jogo na linha da frente, dentro de campo com a organização, trazem-se cadeiras e cigarros e tudo. Ele foi fotografar e eu tive que fingir que falava de futebol e o Ronaldo isto e aquilo entre sessões fotográficas com os maqueiros e delegados de jogo.
Estamos maravilhados com isto tudo e vamos a uma barraca comer um caril de borrego e um arroz frito de borrego e conhecer uma família de engenheiros de Sumbawa. O pai tinha feito aquela ponte e o filho também já deixara obra, e nós? Os nossos filhos, os nossos pais, que é que estão aqui a fazer, gostam mesmo disso que estão a comer?
Vamos ao bar central. Aqui não há álcool, por isso os bares vendem cafés, chás e cocos toda a noite. Há música ao vivo, clássicos dos 90 e nós na mesa dos músicos com as outras duas únicas turistas de Sumbawa. Conversamos noite fora, vamos a casa do dono do bar, uma barraca de betão sem portas, para próxima ficam aqui, já sabem! Quando dizemos que amanhã seguimos viagem a desilusão é de amigos para a vida. Oferecem-nos comida, histórias, perguntas, fazem-nos ficar, prometer voltar e nós sem querer ir, arrependidos já, por termos amigos à espera na paragem seguinte.
Sumbawa Besar... o único sítio de onde saímos contrariados.
Este foi talvez, assim a quente, o melhor dia desta viagem.
O turismo há-de chegar a Sumbawa pelas praias, pelo surf, pelas ilhas paradisíacas, mas que chegue devagar, que não estrague as pessoas, os hábitos, a calma, a simplicidade.
Antes de o autocarro arrancar mais uma guitarrada entre amigos para a despedida e por pouco, por tão pouco, não decidimos ficar em terra.
Vamos em silêncio, em abdominais outra vez, a saber que o melhor dia de sempre acabou num segundo. E já passou.
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* Este texto não é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.