MÚSICA

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Fotografias: Valentina Ernö.

Rescaldo. Nove anos a urdir teia onde muitos receariam meter mão. As propostas apresentadas pela primeira vez, como o ano passado, com a Nova Orquestra Futurista do Porto, por exemplo, as colaborações que encontram habitat natural no Pequeno Auditório da Culturgest, entre Norberto Lobo e Carlos Bica, ou simplesmente dar visibilidade ao que de melhor se vem fazendo no campo da música exploratória em Portugal apresentadas de uma forma cuidada e com intencionalidade são já a imagem identitária do Festival Rescaldo que terá o seu início no dia 19 e que se prolonga até 27 de Fevereiro. Sob este pretexto e sobretudo porque uma boa conversa nunca se desdenha, apesar da preguiça, falámos com o Travassos sobre o Festival, respectivas aventuras e desventuras, a shhpuma, o panorama da produção musical e claro está, o que se projecta para a décima edição, pois a estrutura óssea de uns é a vontade.

Uma das novidades deste ano é o facto de haver concertos na garagem. É só um novo espaço ou é a materialização da garagem enquanto espaço para a criação (ex. local de ensaio para as bandas, para os inventores amadores)?

São como as oficinas de automóveis, ferramentas, bué da óleo, uma certa penumbra (risos). Corresponde à nossa vontade em disseminar o Rescaldo pelos vários espaços da Culturgest e da cidade. Isso foi sempre uma imagem nossa, por exemplo na Trem Azul, na ZDB, no Sol e Pesca, na Barraca. A Culturgest, ao início, necessitava da programação para o Pequeno Auditório. Há duas edições, o Director Técnico (Paulo Barata) chamou-me a atenção para o espaço da garagem onde por exemplo o IndieLisboa já realizou umas festas. O espaço é magnífico e a programação deste ano tem em consideração este novo espaço. O ano passado tínhamos utilizado a cafeteria, mas este ano os concertos em pé serão aí. Vão ser 2 dias e 5 bandas – no dia 26.02 com os Papaya, um super grupo com o Ricardo Martins, o Óscar Silva e o Braulio Amado, sinceramente vão partir a loiça toda e com muito material novo na bagagem, a seguir um dos momentos altos do Festival e de que muito me orgulho, uma vez que já há pelo menos quatro anos o ando a tentar programar, que é Black Bombaim com Peter Brötzmann. Já algum tempo andava a falar com o Fúa da Lovers & Lolypops e conseguir juntarmos o grupo com uma figura mítica do jazz como é o Brötzmann, bem… além de que estou certo que para o grupo vai ser um momento que os vai marcar. E depois na última noite voltamos à garagem com uma das bandas mais bizarras e curiosas do nosso panorama, os HHY & The Macumbas, uma cena ritualistas entre as brumas da Ribeira do Porto e as florestas da Indochina, com muita precursão, sopros e electrónica à mistura, a puxar um pouco para o dub. A seguir os Tren Go! Soundsystem, antes de fechar com Gala Drop.

A edição deste ano começa com uma espécie de residente habitual – O Filipe Felizardo?

O Filipe Felizardo que nunca tinha tocado no Pequeno Auditório. Mais do que uma recompensa é a constatação da evolução do trabalho dele ao longo destes anos, ele tem evoluído imenso e no ano passado fez coisas verdadeiramente incríveis, aliás como o Norberto Lobo com a edição de Oba Loba, mas sobretudo pelo Fornalha, que foi bastante bem acolhido pela crítica e que chegou a merecer destaque da Wire com artigo de duas páginas, isto, no mínimo, quer dizer alguma coisa.

A tendência dos portugueses depois de construírem a garagem é encher o terreno com anexos. Nunca pensaste alargar o âmbito do Festival e abarcar outras áreas?

Mais do que um anexo, a marquise (risos). Sempre tentámos fazer e fizemos o que se designa por actividades paralelas, mas por uma razão ou por outra, sobretudo ligado à disponibilidade de tempo e financeira, temos deixado ficar isso para trás. Há vontade em fazer conferências, actividades para crianças, workshops, instalações sonoras, edições fonográficas dos concertos isso sempre fez parte dos objectivos. Umas já se concretizaram, outras podem vir a concretizar-se e outras podem assumir novas abordagens. Para o ano é a décima edição, por isso quem sabe.

Rescaldo 5

E pôr a casa noutro sítio ou seja levar o Rescaldo para outras cidades ou lá para fora?

Já pensámos nisso, mas de momento é um festival da Culturgest. A Culturgest assimilou o Rescaldo na programação anual e convém fazer as coisas bem pensadas.

O ano passado falámos sobre esta ideia de trabalhar os interstícios, mais do que uma mera colagem de estilos. Este ano também teremos um bom número de projectos desafiantes?

Há muito essa ânsia de procurar o diferenciador, o distintivo. Às vezes é possível outras vezes não. Não nascem Calhaus aí todos os dias e como tal a programação pode assumir outros propósitos. Este ano, por exemplo, penso que temos propostas bastante variadas, e que no fundo reflectem o nosso espírito – dar visibilidade ao que de mais relevante aconteceu no ano anterior.

Ao vivo tem de haver uma preparação que muitas bandas ou projectos a solo ainda não têm, mesmo que estejam no bom caminho. No fundo, o que nos interessa é a força musical dos projectos, tanto no que têm gravado como ao vivo. Por exemplo, posso referir os Plus Ultra, que foram uma das grandes novidades de 2015, renasceram das cinzas, de outras bandas bem conhecidas como os Zen, os Ornatos Violeta e os Mosh e que ao vivo têm uma força descomunal.

Um dos pontos fortes do Rescaldo é a componente visual muito forte que os projectos apresentam, seja via imagens, como Con Con, seja através da forma como se expressam, por exemplo, com o Estilhaços do Adolfo Luxuria Canibal e António Rafael. O que podemos contar este ano?

O Tren Go! Soundsystem vai trazer uma acompanhante que é a Slide Jane que projectará slides durante o espectáculo dele, os Black Bombaim estão a preparar um vídeo muito interessante para passar durante o concerto e Acid Acid com projecções que servem de enquadramento ao que irá tocar.

À sua escala outra obra imensa é a editora shhpuma de que és o responsável. Qual a necessidade de criar uma nova editora?

Pela impossibilidade de se poder publicar tudo o que nos enviavam para a Clean Feed (n.r. do qual também faz parte) e também porque a Clean Feed é uma editora ligada à área do Jazz. Pensou-se que faria sentido uma nova editora, uma editora capaz de trabalhar e dar visibilidade a outro tipo de projectos e também porque surgiu numa altura em que havia a Trem Azul e em que havia um espaço atrás que era a kitchen. Estava a produzir-se imensa música que nós não tínhamos capacidade para editar, mas que tínhamos vontade, como foi o caso do Filipe Felizardo, que foi a nossa primeira edição com o Guitar soli for the moa and the frog, depois com o Norberto, o Tiago Sousa, Ferrandini, Pedro Sousa, malta que cresceu toda lá. A shhpuma surgiu com a vontade de dar voz ao que estava a acontecer. Surgiu dentro do Rescaldo e continua intimamente associada. Não só por eu estar em ambos, mas porque queremos reforçar esta ligação, como por exemplo o ano passado com o lançamento do álbum de Coclea. Este ano estamos a promover o trabalho de OZO que é relativamente recente e além disso apresentamos músicos associados à editora como é o caso do Norberto, do Timespine, do Felizardo.

E o que prevê a shhpuma para este ano?

Vamos tentar abarcar alguns projectos internacionais que nos chegam. Já temos alguns nomes de peso no nosso catálogo, como são o caso do Thurston Moore e o Fred Frith; vamos lançar no Rescaldo mais dois discos, um do André Gonçalves a solo e com convidados pontuais, e o de João Camões com Jean-Marc Foussat. Vamos lançar um disco de uma banda norueguesa ICH BIN N!NTENDO, que é uma coisa meio post punk, são uns The-Ex noruegueses. Editar um disco de uns norte-americanos, que é um projecto liderado pelo guitarrista Nick Millevoi, que toca por exemplo nos Many Arms, e que vai ser acompanhado pelo Jamie Saft, que para quem não conhece é o pianista e organista favorito do John Zorn e Ches Smith, ligado a Mr. Bungle e Ceramic Dog entre outros. E mais umas coisas que andam por aí.

Rescaldo-6

Festival Rescaldo

19, 20, 25, 26 e 27 de Fevereiro

Culturgest + ZDB

Bilhetes – €6

PS: Valentina Ernö, autora das fotografias, acompanhou durante uma tarde o ensaio de Estilhaços, que seria apresentado nessa noite no Rescaldo 2015. Por um lado, não há melhor forma de antever um Festival do que recordá-lo, mas sobretudo porque seria criminoso continuar a deixa-las numa gaveta.

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