Fotografias: Valentina Ernö (gentilmente cedidas pela MusicaemDx)
Atrasado, qualquer imprudência conduz ao maior dos dislates, afinal o concerto de Earth já tinha começado, e a maiores preocupações – como teria sido possível perder parte do regresso ansiado. Falhar temas como There is a Serpent Coming, The Bees Made Honey in the Lion's Skull e Badger's Bane (setlist completa)? Todavia, há sempre efeito apaziguador numa voz amiga – “Bora lá beber um copo”. Enquanto Dylan Carlson, sim esse mesmo, Adrienne Davies e Don McGreevy, debitavam aquela intensidade “muda” e pesarosa, aqueles riffs exprimidos até ao mais ínfimo acorde, entre mim e o mar de cabeças hipnoticamente direccionadas para o placo, deambulavam imagens difusas e de geografias aparentemente desconexas. As terras do Demo, o Aquilino repescado de quando em vez, mas sobretudo paisagens que cunham – o sol na vertical perfeita, independentemente da hora do dia, a canícula, qual térmita a desgastar osso como fosse madeira e a terra – aquele cheiro a terra. Aspereza que se impregna, a rugosidade. Imagens tácteis, não necessariamente desconfortáveis, pois a melhor defesa é sempre a sombra, a redução dos movimentos ao mínimo indispensável, e um bom copo de vinho. Aquele Dão encorpado como a glorificação da resistência humana. Dois, três copos, não está o caldo entornado, o corpo agradece e a alma acompanha. Já para o final, durante o Ouroboros is Broken imagino Olympia, terra natal da banda e aqueles dias em que o sol nem vê-lo, a neve amansa e o nevoeiro assenta em mil folhas. Também a muitos quilómetros de distância a solução passará por reduzir a actividade ao mínimo indispensável? Que movimentos minimais e concisos deverão ser aconselhados? Para lá das óbvias influências musicais assumidas por Dylan Carson em inúmeras entrevistas, como Black Sabath, Velvet Underground, La Monte Young, Terry Riley, Hendrix e Maiden do tempo de Paul Di’Anno que mais fará dele um resistente? Que mais haverá na música dos Earth que os conduzem ao desejo de eternidade? No fundo são mais de 25 anos a desbravar um trilho próprio entre o minimalismo, a música ambiental, o post-rock, o drone e o doom. As variações de ritmo são aparentemente inexpressivas, basta um toque na guitarra, uma pancada no prato ou na tarola impressa por Adrienne Davies e tudo muda. A estrutura está bem amarrada, mas não prende, dá espaço para encontrar novas combinações, liberdade para a repetição e para a criação de uma massa sonora que adensa a anterior e sobrecarrega as iterações estritamente necessárias, sem cair na monotonia, nem na apropriação acrítica de linguagens.
No final, sem direito a encore, e depois de High Comand recordo uma frase frequentemente atribuída aos Cabaret Voltaire – “Fazer música é mais do que o próprio acto, é expressão de vida”. No meu caso, o lado iniciático, não só pelo facto de ter sido a primeira vez que os vi, mas sobretudo por me trazer à memória álbuns que marcaram momentos de ruptura – Cathedral e o Statik Majik, quando todos apostavam na rapidez, Tortoise e o Millions Living There, do pós grunge. Talvez agora entenda melhor a expressão do Amplifest – “Não um festival, uma experiência”. Ansioso para que chegue Setembro. O aperitivo caiu que nem ginjas.