Dou por mim a olhar para Seth Haley (um dos alter egos de Com Truise) e pensar “mas que grande homenzarrão” …não com malícia ou ironia mas sim porque ele é mesmo imenso. Já tinha visto uma imagem ou outra dele mas nunca me tinha apercebido da sua estrutura alta, robusta e barbuda, muito em contraste com a estrutura espadaúda e inquietante que os senhores dos sintetizadores costumam ter. Mas vamos ao que interessa porque a noite de sábado no Musicbox foi muito mais que um gigante no palco rodeado de tecnologia e um desfile de hipsters na plateia. Foi uma noite de preliminares.
Com Truise estacionou a sua nave espacial vinda directamente de um filme de ficção científica dos anos 80 e trouxe na sua pochete digital o novo EP Wave 1, o primeiro disco de uma série de sete que tal como ele o descreve "the world’s first Synthetic Astronaut on this journey to a planet - each release represents the next stage in his journey." Wave 1 é o primeiro disco e representa a primeira parte da viagem, o início… tal como o concerto em Lisboa foi o primeiro da digressão e que nós pudemos comprovar com os vários sons fora de contexto que se ouviam aqui e ali e pelos quais Haley pediu desculpa por ainda estar a afinar o set. Mas não incomodou, aliás até teve alguma piada porque no meio de uma viagem intergaláctica com paisagens sonoras de chillwave e synthpop ouvir um aviso sonoro de micro-ondas ou uma percussão fora de tom transporta-nos de certa forma para um daqueles concertos experimentais em que aparecem sons vindos de todas as direcções.
Primeiro ouve-se um zumbido, depois um barulhinho de ignição electrónica e o motor arranca com uns baques contínuos à semelhança de uma nave a entrar em hyperdrive. É assim que começa o concerto. Com Wasat que é também a primeira música do disco e que de certa forma parece uma nave em plena descolagem, transporta-nos para o tal filme de ficção científica dos 80 com cenários de linhas, formas geométricas, cores de grande contraste e degradés em tons pastel, projectados atrás do produtor que oscila entre a aparelhagem digital.
A viagem prossegue dentro da película de hexágonos e semi-rectas que se derretem e ouve-se uma voz em Declination. É a de Joel Ford, o Ford de Ford & Lopatin que dá o seu registo vocal de uma forma desconstruída a fazer lembrar um robot a cantar em falsete.
Depois de entrarmos na onda dos sons inorgânicos e das projeções gráficas em forma de infografia com mais umas músicas de Cyanide Sisters, o seu primeiro EP e Galactic Melt, o seu LP lançado em 2011 (e confesso que o meu favorito) dou por mim a balançar-me vagarosamente e a desejar silenciosamente que a música que se ouve acabe diluída de alguma forma na seguinte e a passagem pelo silêncio que aconteceu ao longo do concerto após cada tema dê lugar a uma continuidade que faz sentido numa viagem. Mas isso não aconteceu.
Os intervalos de silêncio entre as músicas eram como preliminares interrompidos de forma chata. Não se faz uma viagem entre paisagens em tons de pastel com impulsos eléctricos e dodecaedros para estar a parar de cinco em cinco min.. ficava uma sensação de estranheza no ar e reparei que não era só eu a sentir isso.
A nave aterrou após uma hora e meia de registos sintetizados em padrões de bateria, baixos borbulhantes, minimalismo funky e tivemos um Haley sorridente e falador de braços abertos (nos tais intervalos de silêncio) a revelar-se sempre com atenção ao pormenor e mais sensível à perfeição do que à inovação. E eu pergunto:
Do androids dream of electric sheep?
Sim talvez.. se passarem os preliminares.