MÚSICA

  • none

Três meses e três pianos. Tigran Hamasyan, Egberto Gismonti e no passado Domingo, no mesmo espaço – Centro Cultural de Belém – muito provavelmente o mais conceituado de todos ou o que mais familiaridade parece ter encontrado com o público português – Wim Mertens.

Através das bandas sonoras, quem jamais esquecerá a que compôs para o filme de Peter Greenaway A Barriga de um Arquitecto e outros trabalhos memoráveis e de fino recorte, pelo tom sempre cortês e elegante como “comunica” com a plateia, pelas inúmeras vezes que visitou o nosso país ou tão-somente a qualidade excepcional da composição e respectiva interpretação. Serão todas explicações válidas para auditório praticamente esgotado, extasiado e com desmedida vontade em retribuir de pé um concerto de quase três horas.

“Processo de permanente interiorização, de delicada descrição, demasiado pessoal” é o comentário mais ouvido durante o intervalo ou recorrentemente utilizado por quem escreve sobre a sua música – “Wim Mertens é um daqueles músicos que nos faz crescer” publica Daniel Carrapa no seu blog “A barriga de um arquitecto”. É precisamente partindo desta premissa, a personalização da música ou apresentando o enunciado em outro molde – respectivo impacto em cada um, que é exercício arriscado fazer crónica sobre o que se assistiu. Limitar ao gosto/não gosto, além de dualidade estéril é desconsideração face à qualidade excepcional de Wim Mertens ao piano e nas vocalizações, de Lode Vercampt no violoncelo e de Dirk Descheemaeke no clarinete.

Sendo o parâmetro qualidade consensual poder-se-ia afirmar que se assistiu a um dos melhores concertos do ano? De resposta óbvia, não fosse o facto de se discutir o impacto em cada um. E se ao factor qualidade se acrescentar o factor emoção? Transformá-lo-ia nas mais hediondas três horas jamais vividas? Muito longe disso, não há necessidade de hiperbolização. Mas é precisamente aqui. A discussão em extremos conduz-nos à questão – o que se procura num concerto ao vivo? Outra resposta óbvia - depende. Cá está, a personalização, o impacto.

Neste momento, e não direi que seja sempre assim, uma dose de risco, de novidade, uma certa sujidade. Como diria Thurston Moore horas antes - “Sinto prazer incontido em afinar uma guitarra durante um concerto” ou Júlio Pomar, no documentário da exposição Tratado dos Olhos - “Os quadros com que mais me identifico são os que mantêm as marcas do processo: construção, interrogação, reconstrução.”.

Deslumbrante o suceder de temas dos álbuns Zee Vs Zed, when tool met wood (encomenda de Guimarães Capital Europeia da Cultura) ou incontida nostalgia aquando de Struggle for pleasure. Tudo demasiado perfeito, belo, sem ranhura ou alçapões, em certos momentos previsível. Cristalizou. Longe a surpresa de há quinze anos aquando do primeiro concerto. Senti-me convidado em festa alheia, mosquito em palácio toscano, o segundo de atraso em relógio suíço.

ARTIGOS RELACIONADOS

Música

Newsletter

Subscreva-me para o mantermos actualizado: