(Gin Atómico #10)
Estou com uma mulher na cama que não é a minha namorada.
Essa mulher é casada mas não comigo.
É, na verdade, a única mulher que me consegue ainda atormentar e arrebatar o coração, a Telma.
Apesar de estar muito bem enamorado com a Tânia que é mais nova que eu.
A Tânia também está neste quarto mas não participa da ação.
Está a olhar atentamente e com surpresa, depois de ter entrado em casa como sempre faz quando eu não atendo o telefone ou a campainha, com uma chave que lhe dei um dia que ela não conseguia contactar-me e ficou preocupada.
Como ato de adoração ofereci-lhe uma chave, dizendo que podia entrar sempre que quisesse; que queria partilhar mais da minha vida com ela. Foi preciso coragem.
Partilhar não significa ela encontrar-me na cama com outra mulher, especialmente a ex-namorada, aquela que ela sabe que ainda me aguça as palavras.
Eu e a Telma ficamos a olhar a rapariga. Fosse isto daqueles filmes norte-americanos e haveria um diálogo estúpido "não é o que estás a pensar". Fosse um filme Português haveria cena de nudez integral e declamação de poesia.
Como isto é a minha casa e sou eu que estou a escrever, levanto-me ligeiramente e digo a coisa mais estúpida que me consigo lembrar no momento.
"Desculpa, fiz merda"
A Tânia aproxima-se lentamente, lábios semi-abertos e a cabeça num turbilhão de questões. Olha-nos com lentidão, estamos já cada um sentado para seu lado. A Telma não abre a boca, apavorada, cobre o peito com o lençol timidamente.
Sou sempre surpreendido por pequenas coisas mas juro-vos que nunca fiquei tão surpreso como agora. Já vi e escrevi muita coisa mas ter testemunhado este ato de mulher adulta vai com certeza mudar a minha vida para sempre.
A Tânia tem a atitude mais adulta que vi algum adulto tomar, e ela ainda não tem idade para ser assim tão adulta.
Encolhe os ombros e começa-se a despir. Tira os sapatos primeiro depois as calças, sem cerimónias. Roupa interior para um lado e salta para a cama ocupando o espaço vazio entre mim e a Telma.
Olha para um e para o outro e começa a conversar como se nada fosse.
"Hoje esteve muito calor, não foi? Já está tempo de ir para a praia. Gostas de praia, Telma?"
A Telma responde-lhe a tremer que sim e eu fico de boca aberta como um sapo.
Milagres não existem, toda a gente sabe, mas o que é certo é que as duas começam a falar como se nada fosse, a Telma ajudada pela confiança da pequena Tânia e num ápice já estão a falar de assuntos diversos.
Acendo um cigarro e fico a observar este filme. Nem num milhão de anos conseguiria imaginar que isto pudesse acontecer. Tenho duas mulheres na minha cama e não estou em cima delas.
Decido ir buscar três gins, que se lixe não é?, e elas aceitam os seus copos conversando animadamente. Conversa de mulheres, claro está, aproveitam também para falar um pouco sobre mim e a Telma dá alguns conselhos.
"Ele é mesmo assim, não é má pessoa mas quando se lhe dá para escrever fica impossível, parece que não existes. Se precisas mesmo de atenção tens que usar o corpo que isso distrai-o logo. Os homens às vezes são fáceis demais"
A Tânia toma notas e riem-se as duas, chegam mesmo a gozar com aquele pequeno sinal que tenho uma certa parte do corpo.
Apetece-me ligar ao Carlos e descrever-lhe esta cena do demónio. Ele certamente que se iria rir durante, pelo menos, dois anos. Só me faltava mais esta.
Bem vistas as coisas até que nem me saí muito mal. Riu-me triunfante, escapei desta situação ileso. Mas logo me recomponho e percebo que vou ter duas conversas muito sérias e longas.
Não sei quanto tempo elas ficaram a conversar, umas duas horas creio eu. Trocam números de telefone e a Telma veste-se, sorridente. Dá-me um beijo na bochecha e solta um último olhar à porta: sei que vem aí tempestade.
Quando ela sai a Tânia volta-se para mim e dá-me um beijo, como se tivesse chegado agora. Dirige-se à cozinha e começa a preparar algo para o jantar. Sento-me no sofá e observo-a sem dizer palavra.
Após terminar o gin lá me levanto e tento um esboço de conversa.
"Desculpa lá a situação..."
"Desculpar o quê? A tua irresponsabilidade? Nem é por mim, sabes que ela é casada e tal..."
Abre uma lata de cogumelos e continua.
"Sabes, eu não sabia bem o que fazer, nunca tive uma situação destas e não sei reagir a estas coisas de relações nem tenho muito jeito. Mas pensei naquele momento em duas coisas, primeiro que por mais que ficasse chateada ou me fosse embora não iria mudar nada, depois que gosto demasiado de ti para ir a correr chorar para um canto como as mulheres fazem. Como se eu soubesse o que as mulheres fazem, para falar verdade."
Engulo em seco.
"Sabes o poder que ela tem sobre mim, eu sou apenas um gajo estúpido que não consegue resolver as coisas e depois magoo as pessoas de quem gosto e..."
Ela nem ouve o que eu digo, acende o fogão e começa um refogado.
"Depois pensei como iria resolver a situação e lembrei-me que uma vez me disseste que a melhor forma de resolver um episódio assim do género é tomar a atitude mais ridícula e impensável. Por isso despi-me sem pensar. Que mais podia fazer?"
"Pensaste nisso tudo assim que nos viste assim enrolados?"
"Pensei em muitas coisas mas em nada em concreto. Passa-me os orégãos"
"Mas porque é que não começaste a gritar ou a atirar-me discos para cima, sei lá?"
"Era isso que esperavas que eu fizesse? Não sei. Só pensei que tu eras um homem muito estúpido e que se continuasses iria ser pior que eu e tu nos separarmos ou assim. Eu cá me resolvo agora a pobre mulher ia ficar uma lástima se vocês se enrolassem mesmo."
"Mas... como sabes que não chegámos a..."
Ela salteia os cogumelos sem olhar para mim.
"Porque o preservativo estava por abrir, totó."
A Tânia pode não suturar todas as minhas feridas emocionais ou provocar-me tantos calafrios como aquela mulher que há pouco abandonou os meus lençóis mas está a tornar-se rapidamente a minha mulher favorita. E nem sequer fez 24 anos.
Agarro-a de surpresa e beijo-a lentamente. Olho-a nos olhos o tempo suficiente para ela me ler e ter a certeza que gosto mesmo dela. Como se dissesse obrigado sem palavras.
"És mesmo um homem muito muito parvo"
"O que é que eu faria sem ti?"
"O mesmo de sempre, beber gin até às tantas e escrever coisas do amor e tal"
"Já me conheças a conhecer bem, miúda"
"Mas olha..."
"Diz-me"
"Se eu não tivesse aparecido então vocês continuavam não era?"
"Ah... pois s.. se calhar..."
"Ok. Então deves-me uma"
"Salvaste-me a vida!"
"Não é isso, deves-me uma, estás a ver?"
"Como assim, uma f..."
"Não, não é isso. Como ias mesmo trair-me com outra eu agora tenho o direito de fazer-te o mesmo."
Silêncio.
"É só uma vez, nada de mais, há um rapaz muito giro lá na universidade que me anda a fazer olhinhos e eu, pronto, gostava de experimentar. Só naquela. Agora tenho um pretexto."
A água começa a ferver e a massa é deitada de chapão, tal como as palavras desta miúda.
–