MÚSICA

  • none

Não há dúvida que Kamasi Washington é o músico do momento. Como já tinha acontecido no dia anterior no Porto, Lisboa teve casa repleta e uma euforia desmesurada.

A expectativa em volta do saxofonista deve-se muito ao seu historial recente, tanto pelo desafiante disco em nome próprio, The Epic, que ficou referenciado de forma consensual como jazz álbum do ano, mas também por participar na construção de outro disco, To Pimp a Butterfly de Kendric Lamar, unanimemente considerado o disco da cultura pop de 2015.

Kamasi é um exímio saxofonista, facilmente cria música e é obrigatório ouvi-lo e vê-lo. Mas a ideia sobre o concerto ficou gorada, pois a intenção, consoante o anunciado, era a apresentação do álbum The Epic. E se este foi apresentado, foi-o de modo sintetizado e fragmentado, fazendo do concerto uma jam cheia do que representa a música afro-americana à base de groove, e não a epopeia a que o disco nos leva, do jazz espiritual dos anos 60 e 70 com a frescura dos nossos tempos. Sem as orquestrações de cordas e vozes, mas também sem alguns componentes do coletivo The Next Step e The West Coast Get Down, que fazem o conjunto base do disco.

O concerto, com dois bateristas, voz, saxofone, trombone e teclados, começou pelo tema Askim que, depois da introdução de Kamasi apresentou o que iria ser a base do espetáculo: a demonstração da capacidade musical e improvisacional dos seus músicos (que apesar de tudo não deixaram de mostrar algum cansaço da tournée). Neste caso, o contrabaixista Miles Mosley, cheio de variações sonoras e eletrificantes arrebatadoras. Depois veio Re Run Home, de várias influências sonoras, em especial do jazz da Costa Oeste (com uma precursão mais exótica), onde o saxofone do líder nos meteu em sentido, passando logo de seguida para destaque o teclista Brandon Coleman, que por várias vezes fez as honras da casa. Em seguida veio Cherokee, um clássico do jazz numa versão cool bem agradável onde entrou a vocalista Patrice Quince com bela entoação (embora nem sempre tenha funcionado) e Kamasi apresentou o seu pai, Rickey Washington, no sax soprano e flauta. A seguir, com Clair de Lune, obra do compositor clássico Debussy, um dos favoritos de Kamasi, veio o lado calmo e a tentativa do belo da noite, onde o cansaço, mais uma vez, apoderou-se dos músicos mostrando um tema desequilibrado onde reparamos na falta dos arranjos vocais e de cordas que no disco fazem a magia da obra.

Kamasi, simpático e comunicativo, pergunta "que tal chamar o funk?", entrando a sala num jogo de variações rítmicas e melódicas. Após terminar o tema parte da banda retira-se, deixando os bateristas Donald Bruner Jr. e Tony Austin em diálogo. Um joga com os pratos num toque frenético e o outro estremece a sala com todo o aparato da bateria. Sentia-se boa vontade, mas dispersão. Vem a seguir The Rhythm Changes e, mais uma vez, a vertente jam session, com o teclista Brandon Coleman e o trombonista Ryan Porter a encarregarem-se dos solos. A meta chega com o público num alvoroço e o inevitável encore com o grupo num toque mais bop livre, em especial por parte do capitão Kamasi.

Com uma plateia de diferentes mundos melómanos o talento de Kamasi ficou comprovado. Para quem tenha curiosidade sobre o mundo deste prodígio, os sons da editora Impulse, com John Coltrane, Albert Ayler, Alice Coltrane, Pharoah Sanders e Sun Ra podem ser um inigualável princípio, mas não deixe de ouvir o cósmico e já referido The Epic.

ARTIGOS RELACIONADOS

Música

Newsletter

Subscreva-me para o mantermos actualizado: