DIÁRIOS DO UMBIGO

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Lisboa parece um estaleiro ou uma cidade pós-apocalipse a ser reconstruída com muito pouco respeito pelos inúmeros turistas e residentes. No resto do país as chamas consomem a floresta enquanto uma pequena multidão ruma ao Parque Eduardo VII para ouvir Marcos Valle, Azymuth, Escort ou Jungle.

Nada de errado, portanto. À terceira edição o Lisb-On cresce para três dias e continua a afirmar-se como o oásis dos festivais de verão.

Sexta-feira é dia de trabalho para toda a gente menos para os escritores que afogam as mágoas em gin por isso não tive dificuldades em chegar pelas 14 horas ao recinto onde já tocava a Mary B que se orientava pela eletrónica mais suave; pareceu-me um ótimo começo de tarde. Aproveitei para trocar umas palavras com o Bruno, no bar central, que me aconselhou o Rosemaryan, um cocktail da sua autoria. Gin & rosmaninho, combinação mais que perfeita. Só tem um problema: bebe-se num instante.

Sweat & Smoke é um projeto de Isac Ace e Guillaz cujo maior trunfo é a combinação de várias vocalistas que dão sumo ao electro-funk competente. Bom para procurar refúgio junto à sombra. Tender Games elevam a fasquia mas com menos presença em palco, em flirt com a House mais suave cantada por um rapaz muito competente que também se atira ao piano.

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Sobre os Escort há muito a dizer e vou começar por isto: o segundo álbum deles não é grande coisa. Mas pagaria para ver esta banda em qualquer parte do mundo.

Para além de tocar baixo e de ter uma voz gigante, Adeline dança, incentiva as suas companheiras nos coros, vai até junto do público, não falha nada. Os Escort tocam alguns temas do seu repertório, felizmente a maior parte do primeiro álbum, mas a grande fatia do concerto é preenchida por versões de temas como Supernature ou She's Homeless. Se os Escort fossem apenas uma banda de covers eram a melhor banda de covers do mundo.

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Seria difícil superar o concerto dos Escort mas o mestre Herbert consegue, deliciando-nos com a sua eclética experimentação. Início sombrio com It's Only em versão semi-orquestral, seguida de pausa para Herbert nos anunciar como vai ser o concerto. É assim que se faz: diz que não vai tocar aquela (referindo-se a Café de Flore ou ao remix para Hoping de Louie Austin) mas que vai tocar coisas mais eletrónicas porque este festival permite-se a isso. O melhor de tudo é que não foi um momento ensaiado: a folha que Herbert lia estava escrita à mão e cheia de rabiscos.

Logo a seguir pede-nos o auxílio e saca de um microfone que estende até nós para gritarmos e batermos palmas que são utilizadas na música seguinte. Apesar de divertido, o concerto é clínico, tal como muita da sua música, trabalhada até à exaustão. Não deve haver muitos músicos que gravam a sua própria extração de um dente. Herbert fez questão que ouvíssemos esse som várias vezes.

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Herbert

Sábado acorda mais fresco que sexta-feira. De Los Miedos abre as hostes atirando-se aos seus discos de Disco, seguido pela one-woman-band Surma, jovem tímida auxiliada por camadas de reverb, guitarra e caixa de ritmos. Quando puxa pelos graves torna-se deveras interessante, a sua experimentação é, no geral, muito competente embora por vezes algo teatral.

Já tinha visto Sensible Soccers o ano passado e continuam iguais: instrumentais, seguros, pouca presença em palco. Continuam a ser a banda sonora mais que perfeita para um fim de tarde que já preenche este recinto que nunca iria estar tão cheio como o sábado do ano passado.

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Sensible Soccers

Nem para ver os Azymuth, a banda que começou num disco de Marcos Valle, que irá tocar no domingo. Perfeito seria tocarem todos no mesmo dia mas isso não aconteceu. Banda instrumental, power-trio de várias camadas de brilhantismo, 42 anos de carreira, tocam como se não houvesse amanhã. Alguém trouxe um cartaz "Fora Temer". Dá um certo prazer observar o público a dançar com verdadeira alegria esta banda que não teria muita aceitação estivesse noutro festival qualquer. É este o espírito do Lisb-On: vimos todos pela música.

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Azymuth

DJ Harvey é daqueles ícones intemporais. É conhecido pelo seu ecletismo e por saber conduzir uma multidão como deve ser: foi isso que fez. Início tímido, de propósito, algo baleárico mas decididamente eletrónico, nada de disco-sound. Vai crescendo, sem sobressaltos, uma lição de como começar e acabar um set. Até porque acabou com Motorhead.

A forma como Harvey consegue capturar a multidão é notável, certo que estavam todos lá para o ouvir, mas continua a ser um exercício de extremo bom gosto e mestria.

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DJ Harvey

Já Tale of Us, ou melhor Tale of Me, que era só um, foi uma espécie de bricolage (mas não no sentido Amon Tobin). Berbequim, música a metro, anos-luz de Harvey.

O terceiro dia chega com calor intenso e a promessa que se vai ouvir Rei Valle. O veterano que tocou com Sérgio Mendes, Leon Ware entre outros, o mestre que apadrinhou a banda Azymuth que o acompanhou num dos melhores discos de sempre: Previsão do Tempo, o inconfundível Marcos Valle.

Antes dele, João Tenreiro proporcionou-nos o melhor DJ Set inaugural destes três dias: foi ao baú buscar Disco brasileiro e outras pérolas, começo mais que perfeito.

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João Tenreiro

Mas o destaque vai todo para Marcos Valle. Não faltaram temas como Estrelar ou Não Tem Nada Não, esta última em jeito de encore porque "eles pediram", afirmou Valle quando se sentou novamente ao piano e disse que se fosse preciso tocava sozinho mas a banda afinal tinha a partitura. Mais perfeito seria se tocasse Previsão do Tempo.

O público dança, embevecido pelo Samba Fatal e não Tira a Mão apesar de Paraíba não ser Chicago. 71 anos? Está mais bem conservado que Brian Wilson, mas está provado cientificamente que o Samba e a Bossa Nova retardam o envelhecimento.

Que concerto. Valle tem provavelmente a coleção de músicas mais transversais do cancioneiro brasileiro, a par de outro rei, Jorge Ben (tragam-no para o ano, pode ser?). A energia que contagia o público não é toda da jovialidade deste avô cool, as composições impressionam pela sua facilidade em contornar géneros e idades, encerram melodias fora de tempo que acariciam os ouvidos de forma tão graciosa e simples. A par dos Azymuth, Valle foi o rei do Lisb-On.

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Como superar Marcos Valle? Max Graef nem tentou, techno chato, que poderia ter o seu mérito mas aqui no meio não calhou nada bem. Mais um gin, por favor.<

Os Jungle são uma banda curiosa. Com um hype gigantesco, apenas lançaram um álbum em 2014 e foram os responsáveis pela maior afluência de público no último dia do Lisb-On.

Muito competentes, divertidos, ensaiam a sua soul moderna com exigência, mas há um problema fundamental: as músicas são todas iguais. Sim, muito bem compostas e tocadas, harmonias no sítio certo, mas é impossível distinguir as músicas.

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Gerd Jenson foi o último DJ do festival e entregou-se à sua tarefa com empenho, gerindo géneros com muito cuidado.

Não há muito mais para dizer sobre o Lisb-On, aquele festival que é o oásis que Lisboa precisa. Cartaz super eclético para uma minoria imensa que enche este recanto do Parque Eduardo VII numa comunhão de sorrisos e bom gosto. Temo todos os anos pela fragilidade de um festival que vai contra todas as correntes e todos os anos fico com a sensação que vai durar para sempre. Que assim seja.

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