DIÁRIOS DO UMBIGO

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Depois de ter visitado o Curdistão Turco, o meu dogma sobre destinos menos óbvios e a sua hospitalidade ganha cada vez mais ênfase.

O Curdistão é uma região que engloba o sudeste da Turquia, Irão, Iraque e Síria.

Por norma, as viagens organizadas pelas agências à Turquia não englobam este território.

Amabilidade e curiosidade foram as palavras que mais se destacaram nesta odisseia por terras curdas.

A descoberta do desconhecido revela-se por vezes uma agradável surpresa.

Há tanto para descobrir neste mundo e esta pequena odisseia acabou por mostrar isso mesmo: um lado menos conhecido da Turquia, mas não menos encantador.

Ainda no Iraque, apanhei um autocarro com destino à cidade de Mardin, na Turquia.

Apesar de os condutores não falarem inglês, na primeira paragem que fizemos, chamaram-me.

Abriram a mala do autocarro e dentro de um saco enorme havia uma carrada de volumes de tabaco.

Deram-me três e pediram para eu levar, passar a fronteira e depois devolver.

É óbvio que faziam contrabando de tabaco do Iraque para a Turquia e distribuíam pelas pessoas. Perguntei se não iria ter problemas, ao qual eles me responderam que não.

Como já tinha sido preso per este motivo em Singapura, fiquei reticente.

Não me apetecia nada que acontecesse novamente o mesmo.

Com o cérebro a matutar, não descansei enquanto não tive a certeza do número de volumes que poderia levar.

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Mesmo antes da fronteira perguntei a vários militares e agentes.

Três foi sempre a resposta e fiquei mais descansado.

Passar a fronteira foi um autêntico teste à paciência. Três longas horas de espera para revistarem tudo ao pormenor.

Já em solo turco, devolvi os volumes de tabaco aos condutores e segui viagem até à cidade de Mardin.

No dia seguinte, explorei esta magnífica vila perdida no meio do nada.

Um autêntico labirinto de ruelas onde constantemente me perdia.

Parecia que estava no jogo Tomb Raider à descoberta de algum tesouro entre vielas, escadas e túneis.

A cada esquina uma autêntica surpresa e uma constante incógnita, nesta vila charmosa onde muitas crianças me seguiam com o intuito de serem fotografadas.

Com ruas afuniladas, eram os burros que transportavam mercadoria ou que serviam de meio de transporte.

Não havendo turismo, este lugar tornava-se ainda mais fantástico e acolhedor.

Os idosos marcavam presença à porta de cada tasca, bebendo chá.

Mesmo não falando a minha língua, perguntavam-me de onde vinha e o que estava ali a fazer.

Por vezes a comunicação era difícil, mas havia sempre um sorriso puro nos rostos dos autóctones.

Sendo que quase ninguém falava inglês, pedi na pousada para me escreverem num papel, em curdo, a paragem de autocarro, assim como o próximo destino.

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Vida facilitada com esta preciosa ajuda, apanhei um autocarro com destino a Malatya, ponto de partida para visitar as misteriosas cabeças gigantes no Monte Nemrut.

Entre paisagens fantásticas e montanhas sublimes, cheguei finalmente a uma pousada, lugar onde começava o trilho.

O caminho até ao Monte Nemrut é de uma venustidade extraordinária.

Uma vista fantástica entre vales e montanhas rochosas onde constantemente me cruzava com cavalos selvagens.

Finalmente cheguei ao ponto mais alto e fiquei sem palavras.

Parecia um puto que tinha saído a primeira vez à rua.

Como era possível nunca ter visto imagens deste lugar?

A 2200 metros de altura existe uma pirâmide rodeada de cabeças gigantes em pedra.

Um lugar misterioso de uma beleza esmagadora.

Havia muitos pastores que me interpelavam. Queriam saber de onde era.

Sempre que enrolava um cigarro eles queriam fazer o mesmo. Pediam-me tabaco e após o cigarro estar feito devolviam-mo.

Após visitar este magnifico lugar, estava na hora de apanhar um autocarro e regressar à capital turca.

Na viagem apenas um nativo falava inglês. Era soldado e viajava com um amigo que não falava a língua.

Eram bastante simpáticos e na primeira paragem convidaram-me para beber chá.

O povo turco é considerado um dos que mais fuma.

Fiquei assustado e espantado quando olhei para o lado e vi alguns nativos a fumarem ao pé das bombas de gasolina. Não queria acreditar no que estava a ver.

Ninguém dizia nada e parecia uma situação completamente normal.

Acho que naquele momento, quem estava a infringir a lei era eu, por estar a fumar longe demais de uma bomba de gasolina.

Resumindo e concluindo, numa perspetiva irónica sobre um mundo que tanto adoro e amo, por vezes certas atitudes ou situações absurdas e incoerentes fora do nosso habitat natural, são as que fazem jus ao lógico e ao coerente em determinados países.

De modo algum estou a ser sarcástico com o povo curdo.

Admiro e aprecio todas as culturas e os seus costumes.

Ninguém é mais que ninguém.

No final de contas, a vida é uma aventura ou um jogo. Podemos ser um rei ou apenas um peão, como num jogo de xadrez, mas no final da partida vamos todos para o mesmo sítio.

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