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Para se lá chegar, vindos do sul, temos que atravessar a estrada com potencial de mortes variadas. Estrada de montanha sempre em curva contra-curva, buracos, camiões, condutores com pressa e com telemóveis, gangs que assaltam autocarros de metralhadoras na mão, vacas, galinhas, leitões, gravilha, areia e precipício por todo o lado. Por um lado, não nos deixa grande margem para apreciar a paisagem que é a cara do Laos, por outro, cada imagem que nos permitimos ver guardamos com a intensidade de poder ser a última.

Sobrevivi para cima, para baixo já vou a meio – figas!

A cidade desenha-se de ruas transversais entre dois rios e uma dúzia de templos, pelo menos, que a tornou património da UNESCO. Tal como a Lonely Planet, a UNESCO tem o condão de destruir aquilo que pretende proteger. O que era espiritual e tradicional passa a ser um zoológico de turistas e para turistas. Claro que facilita a preservação do património e leva-o a muito mais pessoas – é preciso bom marketing para levar tanta gente a fazer este caminho – mas tem este lado triste de vazio emocional, de artifício. É como uma profundidade ao contrário, que evapora em vez de se consolidar.

Luang Prabang 3

Todas as madrugadas há a cerimónia da Recolha das Almas. Das 5h30 às 6h30 os monges saem dos templos e correm as ruas da cidade a recolher a comida que lhes derem para o dia. Diz a regra que os monges só podem comer aquilo que lhes oferecerem e apenas até ao meio-dia. Tradicionalmente a população saía à rua em respeito, ajoelhada e cabeça baixa enquanto distribuía o que podia pelos monges, arroz sobretudo. Hoje as ruas compõem-se de turistas, câmaras, paus de selfie e vendedores de pequenos cabazes já feitos que devemos comprar para oferecer aos monges enquanto tiramos dezenas de fotografias na cara deles. É triste. E sê-lo-á sobretudo para os pouquíssimos locais que ainda ali vão com alguma espiritualidade e devoção.

A cereja de Luang Prabang é, para mim, a cascata de Kuang Si. Uma queda de água de vários níveis ao longo de uma enorme montanha. A água azul-piscina, a floresta à volta a pedir caminhada, os ursos que ali vivem na reserva... Apetece perder um par de horas de silêncio só a olhar tudo isto.

Luang Prabang 2

A comida do Laos continua a não impressionar. Já os preços impressionam bastante com uma fatia de pizza a custar $3 e uma sopa a começar nos $2,5. Felizmente para pé-rapados como nós há sempre os buffets vegetarianos: por menos de $2 pode encher-se uma tigela com tudo o que se quiser, até fazer montinho por fora. Há uma coleção de massas, arrozes e misturas de frutas e vegetais, fritos naturalmente. Claro que às vezes apanha-se um cabelo ou outro e nem sempre se sabe bem o que se está a comer mas, contas feitas, eu cá acho que compensa.

É tempo agora de voltar à capital e amanhã mudar de país. Anseio, desespero!, por gente que saiba sorrir. A imagem que me fica do Laos é a maior concentração de pessoas mal-encaradas e antipáticas que já vi. E montanhas.

Luang Prabang 4

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