Fotografias: Miguel Refresco.
Uma das faces mais visíveis do Milhões de Festa – a música. Talvez poucos conheçam as suas estórias e como o mesmo foi crescendo ao longo destes anos. Conversa descontraída no Largo de São Paulo com o André Forte, um dos elementos da Lovers & Lollypops, sobre o que foi, o que se mantém inalterável e o que se pretende mudar.
Ao longos destes anos quais as características que identificam e distinguem o Milhões?
O que mais caracteriza o Milhões é o facto de não haver barreiras de estilo – do hip-hop, ao metal, do psicadélico à eletrónica ou à música da América Latina, ou da Ásia. A própria Lovers caracteriza-se por esta abrangência. O conforto encontramo-lo na novidade e nesta espécie de ajuntamento de tribos.
E o que mudou?
O milhões foi um acaso em 2006. Uma coincidência de concertos para o mês de Julho, havia vários agendados para as mesmas datas pelo que se optou pela solução de um festival, primeiro no Porto e depois em Braga. Houve também coincidências felizes em termos de locais – o Plano B no Porto e em Braga, em 2008, no Censura Prévia. Só depois com o apoio da CM de Barcelos, em 2010, é que nos mudámos para o Parque Fluvial, aí já com bandas da dimensão dos The Fall, Electric Wizard, mas uma banda mantém-se desde o início e essa é Riding Pânico.
E quais os maiores desafios até agora?
Tem-se a tendência para fazer do Milhões um festival maior do que ele é. O nosso objectivo é proporcionar um nível de conforto a quem se desloca e como tal a capacidade máxima é para 4000 pessoas. Isto também é um grande desafio, encontrar este equilíbrio. Por outro lado, concebemos a música como um universo sem fronteiras, que ao mesmo tempo seja desafiante e que motive as pessoas a fazer as passagens entre os diferentes estilos. Outro desafio é encontrar as bandas que poderão despontar a qualquer momento, neste caso o exemplo maior são os Alt-J, que antes do grande boom realizaram o seu primeiro concerto no Milhões. All We Are são outro exemplo que poderíamos dar. Não se trata só de uma questão musical no seu sentido mais restrito, mas saber como as bandas conseguem transmitir a mensagem, a energia ao vivo. Outra intenção é propiciar todas as condições para que bandas ditas emergentes possam dar os seus melhores concertos, foi o que se passou com os Flamingods, que segundo os próprios deram o seu melhor concerto na edição passada.
Nota-se também uma intenção de ser um Festival aberto.
Não pretendemos trabalhar com salas de porta fechada. Passar para os palcos ao ar livre foi outro grande desafio. A dimensão das próprias bandas é uma questão com que lidamos com uma certa naturalidade. Trazer High On Fire, Connan Mockasin, ou Liars pelas condições técnicas que exigem, pela dimensão dos palcos, pelo número de espectadores que são esperados tudo isto pressupõe um adaptação da nossa parte que se foi tornando mais ou menos orgânica e para que nos fomos preparando ao longo das diferentes edições. O campismo, a equipa de voluntários, toda a coordenação que exige é um trabalho que se foi consolidando ao longo dos anos.
A ideia de um Festival aberto passa muito por não haver barreiras entre músicos e espectadores. Há um ambiente descontraído, de boa onda. O Palco Taina é provavelmente o melhor exemplo, com concertos gratuitos para que os habitantes da cidade sintam o festival como seu, e ao mesmo tempo transmitindo a ideia de uma tainada com o vinho verde da adega cooperativa, o Arroz Pica no Chão, as bifanas.
Se nos lembrarmos do ano passado podemos dizer que o célebre concerto com Black Bombaim + Rodrigo Amado + Shela e o Isaiah Mitchell (Earthless) na Casa Azul, estava anunciado somente como Black Bombaim + Isaiah Mitchel, e o que acabou por acontecer é o fruto dessa sinergia do Milhões. Mas o melhor exemplo terá sido o concerto a solo do Isaiah Mitchell, que teve como convidado surpresa, e no calor do momento, o mítico Matt Pike, dos High on Fire. Depois há os episódios que parece que só acontecem no Milhões, como o do polícia, que nesse concerto e com a pretensão de mostrar serviço, desligou só um dos cabos pensando que estava a acabar com o concerto da banda. São momentos sui generis, mas que acabam por conferir ao festival características muito particulares.
Para este ano quais são as grandes apostas a nível musical?
A nível de programação penso sinceramente que não poderia ser melhor. Será injusto fazer qualquer destaque mas The Bug, Islam Chipsy, sonoridades com raízes bem marcadas no médio oriente e que tem tido grande impacto em toda a Europa. Nunca foi ouvido nada assim.
E a nível de organização e novas colaborações?
Teremos especial cuidado com os “tempos mortos” que como sabes não há no Milhões, mas compreendemos quem não queira estar sempre a andar de um palco para outro (Piscina – Palco Taina) e como tal vamos apostar na criação desses espaços. Vamos comunicar melhor as videotecas, serão apresentados projectos específicos para o Festival como é o caso do Ensemble Insano, no dia zero, onde haverá lugar para a improvisação e que será o primeiro concerto do Festival. Há ainda a Necromancia, feira dedicada às edições independentes, mais uma colaboração com a DECCA (Associação de Skaters de Barcelos). Há ainda a possibilidade de se organizar algumas afters, mas nada definitivo. O importante é sobretudo manter o bom ambiente e o espírito que já caracteriza o Milhões.
Já sentiram que o Milhões exerceu alguma influência directa nalgum grupo ou projeto?
É muito difícil determinar se temos essa capacidade ou não, mas arriscando penso que os Killimanjaro poderão ser o exemplo mais significativo. Creio até que uma vez o Zé Roberto ter dito que o concerto de Graveyard de 2011 o ter impressionado bastante. Se foi o suficiente para partir para a aventura Kilimanjaro é difícil saber, mas pelo menos, é bonito pensar que sim.