Cascas de ovo partidas, figuras de corvos ameaçadores e personagens resignados, símbolos da angústia do mundo transposta para a tela, enquadrados num cenário sombrio, quase nuclear, compõem a nova série de Gabriel Garcia, "um dos mais promissores pintores portugueses da actualidade", segundo Maria João Fernandes, membro da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA).
Na nova exposição individual, Epopeia do Ovo, em exibição na Galeria António Prates até 11 de Novembro, Gabriel Garcia apresenta a leitura actual de um mundo que vive em conflito e dor, onde grupos armados aterrorizam os desarmados, países vivem em constante conflito, e a instabilidade impera, representada na figura da casca de ovo, a protagonista de uma história que pretende fazer reflectir sobre a condição frágil em que se encontra o planeta.
Numa ruptura assumida, mas não total, com a linha que sempre seguiu, e mantendo-se fiel à figuração, Gabriel Garcia forjou uma nova expressão que aposta em figuras unitárias, reduzindo a sua mensagem ao essencial. “É uma ruptura parcial, não total, com o meu percurso ligado ao imaginário fantástico e à minha condição de contador de histórias, embora sempre com uma conotação política ou crítica implícita”, explica o artista. “A nova colecção assenta em duas vertentes, uma coerente com o meu trabalho passado, e uma nova, que marca um passo à frente”, afirma.
Definindo-se como um experimentalista, Gabriel Garcia partiu de uma das suas principais referências, o pintor holandês Bosch, mas sentiu-se compelido a adoptar uma imagem mais limpa, “com menos artifícios, menos paisagens, linhas mais duras, mais minimalista e com uma carga mais dramática”, explica o artista.
Num acto de fragmentação, Gabriel Garcia apropriou-se da imagem do ovo, um elemento que retirou das obras de Bosch e que marca presença em praticamente todas as peças. “Associo o ovo à ideia de casulo, do qual saiu o que estava bom, restando apenas a casca. A casca partida pretende transmitir a ideia de fragilidade, a fragilidade da terra, do mundo, do planeta, a todos os níveis”, explica. Ao ovo associa-se a figura dos corvos, que foram surgindo à medida que pintava, necrófagos, que estão relacionados com esta nuvem negra que anda a pairar sobre a terra”, sublinha.
Mas se as obras estão envoltas na penumbra de uma realidade sombria, a esperança mantém-se presente em toda a série. “Tem sempre que haver esperança, mas penso que é essencial que a arte, mais do um conceito, transmita um aviso à navegação. As pessoas estão cansadas de conceitos, têm que ter um elemento que as faça pensar”, defende o artista que se mantém fiel ao processo da pintura da velha escola, com a qual se identifica. “Para mim o elemento essencial é a tela, o elemento clássico. A arte tem que implicar uma explosão, trazer os sentimentos à flor da pele. E posso dizer que ainda procuro a alma de ser pintor, com todo o sofrimento que isso implica. É um sofrimento bom, mas é um sofrimento, porque esta é uma luta diária”, sublinha Gabriel Garcia. Uma luta pelo essencial, travada em nome da arte.