E como a noite, cinzenta.
Caixas e caixas de sapatos mais ou menos amontoadas, por ordem, sem ela, com data e apontamentos, com autógrafos ou simples gatafunhos, ou gatafunhos como autógrafos, mas poucos são os maratonistas dos concertos que não guardam os bilhetes. Sejam eles mais ou menos padronizados, como os da Ticketline, mas lá estão. São iluminuras de novas crenças, conforto de alma para recordações intermitentes – da primeira vez de Blur na Figueira da Foz, de Sonic Youth no Sudoeste, de Durutti Column no Coliseu do Porto, de Morphine no SuperBock SuperRock ou mais recentemente de White Magic no sótão da Lidija Kolovrat entre tantos.
Continuo a olhar. Fundo branco, letras pretas e logotipo vermelho. Quase uma semana e incapaz de lhe associar imagem, antes imagens difusas de concerto incompleto, inconstante. Bachar Khalifé, Pascal Schumacher e Francesco Tristano, CCB, 09 de Outubro. As coordenadas estão. Da curiosidade e ligeira excitação por proposta que soava minimamente estimulante recordo-me. Afinal estamos perante três excelentes executantes e a respectiva sinopse prometia, se não noite inesquecível, descoberta a reter – “(…) experiência sonora da música electro-minimal-improvisada. Os três músicos são virtuosos na experimentação nos respectivos instrumentos, possuindo uma forte tendência para a composição e para a improvisação. O programa desenvolve fases líricas e meditativas (…).”
Tristatno (teclas), Khalifé (percursão) e Schumacher (vibrafone) foram capazes de criar texturas rítmicas variadas, melodiosas e convidativas, momentos de contemplação e de peregrinação ligeira por entre as pingas grossas que caíam lá fora, sobretudo quando pincelavam as composições com tonalidades jazzísticas. Aqui libertavam-se, tornavam-se mais fluídas como corpos celestiais que vinham ocupar os muitíssimos lugares vazios do Pequeno Auditório, a fazer lembrar célebre cena de As Asas do Desejo. Como Peter Folk apetecia-me virar para cadeira vazia e dizer "I can’t see you, but I know you’re here” e rematar com “The smoke, have coffee and the two together is fantastic”. Mas foram lampejos. Gostaria de ter retribuído ao “Obrigado”, “Muito obrigado”, “Obrigadão” e ficar agradecido aos “compañeros”. No entanto, ou por opção estética ou pela necessidade em mostrar variedade de recursos, muitas das composições cresciam em cadências difíceis de assimilar, não por se aproximarem do dub ou registos mais dançáveis, mas simplesmente porque a velocidade e intensidade se me afiguravam desajustadas. Longe da leveza aconchegante só consegui imaginar um atleta de 300 kgs a saltar à vara. Não descolavam, arrastavam-se.
Guardarei bilhete, lá ficará na caixa para um dia os compreender; por enquanto a sensação de um grande vazio. Mas, quem corre por gosto…